quinta-feira, 26 de junho de 2014

O desapego e duas mulheres que eu conheci

Adoro observar as pessoas e seu comportamento. Adoro igualmente me observar. Em pouco tempo as duas, a figurinista e a modelo foram foco da minha observação e fizeram com que me observasse muito e aprendesse muito.

Já me envolvi em relacionamentos de todo tipo. Já morei com mais de 20 pessoas diferentes em lugares variados desde que saí da casa dos meus pais com 18 anos pra morar em NY. Já fiz variadas terapias e já frequentei religiões e cultos diferentes. Recebi muita gente de Couch Surfing em minha casa, com algumas me envolvi. Já perdi parentes e amigos próximos.

Conto isso porque estas situações de conhecer e viver com tantas diferentes pessoas foram ótimas oportunidades de autoconhecimento. Paralelamente, sinto que tantas mudanças, experiências e tantas pessoas que amei, e amo, entraram e saíram da minha vida e me ensinaram muito sobre desapego, sobre perceber que tantas vezes não se tem escolhas sobre quando e quem sai da sua vida. Além disso, estas experiências me ajudaram a discernir quem realmente me causa interesse, quem acredito que tem a ver comigo, quem gosto já de cara e de quem gostaria de me apegar. 
Linda a modelo é, mas a beleza tb passa. Melhor desapegar.


É evidente minha admiração e encanto pelo sexo feminino e por algumas mulheres em especial. É o caso da figurinista e da modelo. Além de descendência italiana, ambas têm características que me encantam: uma beleza simples e uma simplicidade linda de garotas que vem de cidadezinha do interior. Como se não fosse tudo, as duas mencionaram uma palavra em comum: desapego.

A figurinista é de Piumhi, ela é mignon, e a estrutura pequena inversamente proporcional a sua atitude. É irônica, de humor inteligente e rápido, se veste com muito estilo sem exagero, possui um perfume natural de maracujá com maçã que mistura com um artificial que dá vontade de cheirar, lamber e morder o corpo dela todo, um cabelo que dá vontade de cafungar com todo cuidado e depois puxar com selvageria, e uma nuca hipnotizante que quando ele prende o cabelo me desconcentra na gravação. 

Eu casaria fácil com essa mulher, ela gosta de frio e tem espírito de gordo como eu, entende minha ironia no olhar, acordaria todo dia cheirando aquela nuca, sorrindo junto com ela que também acorda de bom humor. Ela, no entanto, acaba de sair de um namoro longo que a traumatizou e de outro em sequência porque o cara queria casar. Aliado a uma situação relacionada a saúde, fez ela ter medo, ojeriza, ou sei lá o quê, de se envolver e aprofundar suas relações amorosas e enfatiza isso o tempo todo. Ela fala em desapego.

A modelo é de Pérola, ela é tímida a princípio, mas falante, assim que se sente à vontade. Ela conserva seu ar de garota do interior que a deixa com um charme ímpar. É alta na medida exata, e tem uma postura ereta que chama atenção desde longe. Fecha os olhos quando ri, mostra os dentes num sorriso perfeito e fica com covinha maior do lado direito que do esquerdo, uma assimetria deliciosa. Tem senso de humor e entende rápido o que é piada com um sorriso de boca fechada de estilo Monalisa. Falando em boca, a dela é de Angelina Jolie e se se for bobo ou facilmente distraído não se ouve uma palavra perdido no abre e fecha junto com sua cara provocante de Lolita, de novinha - que é - mas tem maturidade e atitude de mulher. Isso tudo estando ela cansada e acabada de 300 horas de viagem numa segunda feira no terminal rodoviário Tietê às 6h da manhã. 

Eu casaria com essa mulher, eu beijaria eternamente aquela boca e viajaria pelo mundo de mãos dadas com ela. Mas ela viajou muito, já morou em Paris, NY, Milão, e falou da frieza das modelos que moram com ela, de que viajar tanto, te faz ficar mais frio mesmo, é melhor evitar se envolver. Ela falou disso como sendo desapego.

Descrever essas duas mulheres é um pouco tentar explicar, ilustrar a minha admiração, desejo e interesse por elas, para chegar no ponto principal desse texto. Descrevi as duas não porque são mulheres interessantes, lindas e deliciosas, mas porque tocaram, de maneiras distintas, logo de cara num ponto chave do texto e da vida pra mim: desapego.

Em muito pouco tempo as duas me fizeram sentir coisas boas e o desapego começa por aí. Quando se trata de algo que não te faz falta ou que você não considera bom, não há desapego.

Para você modelo, digo que pra haver desapego há que ser bom, ter calor, querer, porque afinal, que desapego existiria em deixar pra trás algo que não te fez sentir nada de bom? Algo que você não liga em largar? Pessoas que você não desejaria aproveitar a presença em sua vida? Aí reside o desapego: aproveitar o que existe, quando existe, mas não lamentar quando não está presente, e não se desesperar por sua ausência. Por mais que seu destino de modelo seja incerto, cheio de possíveis viagens e desfiles, me diga: qual futuro está escrito em pedra? Quem pode com absoluta certeza dizer que daqui há seis meses estará aqui ou lá? 

Desde que voltei de NY, estive sempre na iminência de mudar de cidade novamente. Por oito anos estive no Rio e se você me perguntasse em fevereiro desse ano eu não teria razão alguma para imaginar e dizer que hoje, em junho, eu não continuaria no Rio. E, no entanto, estou vivendo em São Paulo. Imagine você quanta coisa sensacional com tanta gente maravilhosa teria deixado de viver caso me abstivesse, me precavesse da possibilidade de mudar de cidade.

E minha cara figurinista, você me fala do caso de saúde e de como só através dessa situação você passou a pensar que tudo podia acabar, simplesmente assim. Mas me diga, quando é que tudo não pode acabar simplesmente? Quando é que houve alguma garantia que você, eu ou qualquer um, vai viver o dia de amanhã? Para morrer, basta estar vivo, dizia meu pai, falecido há 12 anos. Eu tenho que te dizer que desapegar não quer dizer não se apegar, pelo contrário, quer dizer ter muita vontade de se agarrar e até se agarrar de fato, mas saber deixar ir, é a vontade de guardar na prateleira, mas mostrar para o mundo, é gostar tanto a ponto de não querer usar para não gastar, mas usar a ponto de quase desperdício. Desapegar quer dizer se apegar muito e com todas as suas forças mesmo que só por um segundo, para no segundo seguinte, saber desapegar.

Não há desapego se não houve apego, figurinista, não há do que desgarrar-se se não houve aprofundamento, se não há raízes na relação a ser deixada pra trás, não há desapego algum se a gente fica na superficialidade.

O desapego não é triste. Pelo contrário, é feliz. É saber que aquele momento é só aquele momento, e aí desapegar não é ser frio e não sentir, pelo contrário é sentir mais e mais intenso pela consciência que aquele momento com aquela pessoa é sempre único, mesmo que se repita. É aquele ensinamento que diz que um homem não pode entrar no mesmo rio duas vezes, nem o homem nem o rio serão mais os mesmos. E assim você não reclama e chora tudo o que você não viveu ou não poderá viver com a modelo ou com a figurinista, mas agradece e aprecia cada segundo que tem, teve ou terá, junto a estas pessoas ou momentos aos quais você gostaria de se apegar.

O que acontece é que as expectativas que se criam são uma forma de apego. Eu não estou apaixonado por nenhuma das duas, mas eu vislumbro claramente o quanto de possibilidades maravilhosas eu gostaria e poderia viver com essas mulheres. Só que se me irrito, me entristeço ou me revolto, uma vez que o que esperava e imaginava não acontece, é não saber desapegar. É uma forma de apego a essas projeções da minha cabeça, esses possíveis futuros. Tenho e busco os meus objetivos, mas consciente de que não depende apenas de mim e do meu querer. Pode vir a ser diferente do que esperava e, assim, procuro desapegar das minhas expectativas, estar sempre aberto pra acolher o que venha a acontecer.

Eu sentiria inenarrável, indescritível, prazer caso me relacionasse de forma um pouco mais profunda, intensa e "apegada" com uma dessas duas mulheres incríveis, mas o significado, os propósitos e a alegria da minha vida não mudariam caso eu nunca mais as encontrasse. Talvez isso soe mal, minhas caras, mas não achem que é cuspir no prato que comeu, pouco caso, arrogância ou soberba. Sou agradecido a vocês. Vocês também me ensinam um pouco mais sobre o desapego.


quarta-feira, 11 de junho de 2014

Ponto de vista: Uma breve história sobre porque a greve dos metroviários em SP é maravilhosa

Esse título é uma mentira proposital. O texto não é exatamente sobre a greve e não acho greve uma coisa maravilhosa, mas ao mesmo tempo acho que esta greve  está sendo maravilhosa. Esse título é pra ilustrar o ponto real desse texto: ponto de vista.




Você pode começar já lendo esse texto e pensando, que escritor babaca e manipulador, eu quero ler sobre a greve e o cara mente assim, vai se fuder, não vou mais ler essa merda. Ou você pode pensar, que interessante, chamou minha atenção de forma criativa, eu quero ler sobre a greve, mas me surpreendeu, gostei.

Um ponto de vista é a visão de alguém sobre um determinado ponto. Um filme já velho que fez muito pouco sucesso, mas que eu adorei pelo argumento que sempre tentei usar pra minha vida é Melinda Melinda, do Woody Allen. O filme mostra como um pouco isso do texto: toda história pode ser uma tragédia ou uma comédia, depende de como ela é vista. Eu prefiro optar pela comédia.


A história da greve dos metroviários pra mim é maravilhosa e vou explicar o porquê, mas minha saga começa antes. Estava no Rio no domingo e meu ônibus para São Paulo era 23:30. O ônibus de 23:45 já estava saindo e nada do 23:30. Os passageiro começaram a se revoltar. Tem gente que gosta de reclamar e esbravejar. Parece que precisa disso. Os passageiros de 23:30 eram assim. Um chutou uma lixeira e esbravejou, outro ficou indignado e já falou em processar, outros atacaram o motorista de outro ônibus da mesma empresa. Resolver a situação, tentar buscar uma solução concreta, eles não queriam, queriam reclamar desde como o Rio é uma desorganização terrível, como o serviço é uma bosta,  como a rodoviária é precária e desorganizada, até como é um absurdo aquilo acontecer em plena copa e por isso Brasil não vai pra frente e esse blablabla derrotista já tradicional. Tem algum sentido o que eles diziam, sim, pode ser, algum. Resolveria nossa situação ou melhoraria o serviço da empresa e a rodoviária? Não.

Não sou contra reclamar e exigir seus direitos, o problema que vejo é que os reclamões incorrigíveis reclamam e ficam mau humorados quase que por um vício, uma necessidade e não buscam soluções concretas pro que os incomoda. Os reclamões do ônibus das 23:30 só queriam reclamar e fazer um ping pong daquela energia de raiva e indignação deles alimentando uns aos outros, ou se possível passando ela pra alguém, no caso o supervisor da empresa de ônibus. O supervisor por sua vez prontamente absorveu a raiva, falta de educação e ódio, ficou puto e decidiu não ajudar em nada ninguém ali, ironizando e lavando as mãos. O que as pessoas falham em entender é o quanto reclamar e ficar ranzinza é infrutífero. O supervisor, que também é um ser humano e estava trabalhando domingo quase meia noite, dificilmente iria reagir bem á pessoas agressivas reclamando de quão bosta é o serviço da empresa e o quão bosta ele era por não saber o que tinha acontecido com o ônibus das 23:30 e o porquê do atraso. Acho uma perda enorme de energia a reclamação viciada, penso que sempre é possível olhar para um acontecimento fora do seu controle por um viés positivo e tentar achar uma solução pra situação.

Eu fiquei tranquilo e bem humorado, o que não tem remédio, remediado está. Tentei acalmar os nervos dos passageiros que iriam comigo no ônibus, não adiantou. Todos iriam perder alguma coisa ao ficar no Rio, se eu perdesse o ônibus eu ia perder a gravação do dia seguinte, mas ia ficar mais uma noite no Rio, que eu poderia ver como algo bom. Na realidade, querer eu não queria ficar mais um noite no Rio, mas adiantava se debater, se revoltar e se degladear contra o que a vida te trás? Acho válido a gente sempre tentar buscar o que a gente quer, mas caso não consiga, melhor abraçar e acolher o que a vida te trouxer.

Sendo assim, fui tentar resolver a situação com educação e bom humor. Brinquei com uma atendente, pedi se ela poderia nos ajudar porque a gente tava morrendo de saudade de voltar pro concreto, pro trânsito que estava mais maravilhoso em São Paulo com a greve, ela riu. Resultado: botou eu e mais 3 pessoas menos ranzinzas que vieram comigo num ônibus leito, que é o dobro do preço e o triplo do conforto do que a gente iria as 23:30. Meu ônibus saiu 23:53 e da janela deitado vi o grupo de reclamões esbravejando com outro funcionário da empresa.

E eis que chego na concrete jungle de São Paulo. Segunda-feira 6h da manhã. Greve dos metroviários continua. Terminal rodoviário Tiete congestionado, caótico.  A fila do taxi era de quase 2 horas ou mais de espera, a última vez que vi uma fila desse tamanho foi quando o Flamengo foi campeão braseileiro em 2009. Eu poderia ficar puto e reclamar da greve, da falta de opção de sair dali, da desorganização e despreparo, do roubo dos governantes como os novos reclamões que fizeram um sanduíche de mim na minha frente e atrás de mim na fila? Poderia se esse fosse meu ponto de vista. Mantive o bom humor e fui achar uma solução. Sugeri ao organizador da fila que reunisse pessoas com o mesmo destino ou direção. Resultado: a fila começou a andar bem mais rápido, estranhos se conheceram e começaram a ficar menos ranzinzas na fila e voltando da sugestão ao funcionário do terminal, encontrei na boca da fila, á pouquíssimas pessoas de pegar o táxi um amigo de escola de Petrópolis, que já estava na fila há 1:50, e ia na mesma direção que eu. E assim, aquela fila que poderia ser vista como algo tenebroso causado por uma greve cretina, desapareceu. Não esperei nem 10 minutos pra pegar o táxi.

Agora no taxi, ainda tinha o trânsito infernal pela frente que chegou a centenas de kilômetros nessa segunda, li que é o pior em 20 anos.  Só que um detalhe que esqueci propositalmente de agregar:  no meu passeio até o organizador no início fila kilométrica, vi uma mulher linda com cara e porte de modelo, que era de fato modelo e estava onde? Ali, com o meu amigo, porque ela teve a mesma idéia que eu e ia na mesma direção que nós dois. E de repente aquelas horas de trânsito que poderiam ser vistas como infernais, que foram causadas pela greve "escrota", viraram horas de oportunidade de conversa agradável com um amigo de longa data e uma modelo que além de  gata, era doce, simples e simpática, uma pérola de Pérola no Paraná. Tudo por culpa dessa greve maravilhosamente escrota.

Não sei se optar por um ponto de vista com bom humor e ser otimista faz tudo parecer dar certo mesmo quando dá errado, ou se tudo dar certo é consequência deste ponto de vista positivo. Fato é que venha antes o ovo ou a galinha, viver assim é bem mais fácil. E eu prefiro viver de forma mais leve.

Estando eu leve, não foi problema carregar a mala pesada da modelo quando descemos do taxi, que pra melhorar tinha dado até ali R$57, que nem eu, nem a pérola brilhante do Paraná, tivemos que pagar um centavo porque a empresa do meu amigo reembolsa ele.  Fomos pegar o metro na estação Clínicas, que estava aberta(?!). Me informo pra saber se está funcionando sentido Vila Madalena, o atendente diz que sim. Ele deu a informação errada, entro passo o cartão e vejo que está fechado no sentido Vila Madalena. Gasto uma passagem á toa. Poderia me irritar e ir reclamar da falta de atenção e idiotice dele, ao invés, me despeço da pérola, recebo o contato dela de bom grado e sorridente, agradeço ao atendente burro e retifico a informação errada que ele me deu. O trânsito está completamente parado na chega da Paulista. Filas caóticas de ônibus.

Culpa dessa greve. Impraticável. Decido ir a pé pra casa. Mas o dia está lindo, o clima está agradável, acabei de pegar o telefone de uma mulher interessante e uma caminhada de 30 minutos não é tão longa, vai ser bom pra pensar um texto sobre essa jornada que começou ontém 23:30. No meio do caminho, a pé, na ponte do Sumaré, acho uma nota de R$50 no chão.