segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O etnocentrismo e sua forma correta de torcer

As olimpíadas Rio 2016 acabaram e depois de acompanhar o máximo que o meu tempo permitiu, seja pela televisão, seja in loco, escrevo este texto. O foco aqui é o comportamento da nossa torcida.

Houve diversas polêmicas com relação ao comportamento da torcida brasileira durante os jogos e a maior foi a que envolveu o atleta francês do salto com vara, Renaud Lavillenie que criticou duramente os torcedores após ser vaiado durante seu salto final em que disputava a medalha de ouro com o brasileiro Thiago Braz.

Dentre os argumentos utilizados por muita gente, está o que a vaia fere o espírito olímpico. No que tange momentos nos quais se vaia algo que não se trata da competição em si, como vaiar um hino de outro país que não o nosso, até faz sentido, mesmo que ironicamente sentimentos de nacionalismo exacerbado sejam sempre gritantes nos jogos que celebram a união dos povos. O espírito olímpico trata da tal celebração dos povos e da paz entre as Nações, o que inclui entender que tais povos tem diferentes aspectos culturais e comportamentais que devem ser considerados. Por mais que os Argentinos possam ser taxados de chatos com o hábito de cantar o tempo todo, não dá para imaginar jogos olímpicos em Buenos Aires e querer excluir este fator cultural.

Renault chamou a nossa platéia de "merda" e considerou inaceitável ter sido vaiado no momento de seu salto. Além do fator cultural, torcer contra ou a favor, vaiar ou aplaudir são duas faces da mesma moeda, não faz sentido querer espectadores só na hora do bônus, somente se for apoiando, jamais desestabilizando. Esportes não existem sem platéia e esta deve ser livre pra se manifestar da forma que decidir. Querer só apoio é ser muito relativista e desconsiderar que esportes são passionais e excitantes e é natural que escolhamos apenas um lado para torcer, ainda que não seja o seu lado ainda mais se você é francês e disputa com um brasileiro uma prova no Brasil.

Depois, houve recorrentemente o argumento que existem esportes onde não é "normal" haver vaias, que no futebol pode vaiar na hora do pênalti, mas no tênis é gafe vaiar ou fazer um pio na hora do saque. Primeiramente é muito questionável esta balela de que porque existe este ou aquele protocolo desde em um esporte desde Roma antiga tem que seguir assim.  É justificável se afeta diretamente o esporte, como jogando objetos numa quadra, ou fazendo barulho no momento de um som de largada na natação ou atletismo por exemplo. Mas qual a justificativa de não poder vaiar em esportes como o atletismo? Qual a razão desta formalidade britânica de ser ultra polido e silencioso no Tênis? Fora a de ser um esporte tradicionalmente elitizado, nunca encontrei uma.

Tão questionável quanto os argumentos acima é o dos brasileiros com síndrome de vira-lata colonizado e dos gringos com ar imperialista que condenam de forma simplista como mal educada e equivocada a forma Tupiniquim de torcer. Por que a forma Alemã, ou Americana, ou Japonesa de torcer é a certa e educada e a nossa é errada e sem educação? Para explicitar como é absurdo este argumento imagine que estamos nas Olimpíadas de Tóquio 2020 e a imprensa brasileira e um atleta nosso criticam duramente a torcida japonesa que atrapalhou o desempenho de um dos nossos, pois eles são muito contidos, calados e frios, e o correto e educado é uma torcida calorosa que apoie. Quem usa este tipo argumento não percebe quão etnocêntrico ele é, justamente a visão do presidente do COI, o alemão Thomas Bach, outro que se manifestou publicamente contra a forma de se portar "inaceitável"e "chocante" da torcida brasileira. 

Não somos um povo reconhecido pela finesse, sem dúvida que não, mas quem disse que este é o ideal a ser atingido? Mas já que estamos falando de  bons modos é sabido que quando você vai na casa de alguém, a falta de educação é de quem chega querendo que seus hábitos e costumes prevaleçam sobre o dos anfitriões, neste caso, a casa é nossa, e isso é imperialismo cultural. Somos o que somos e isto não quer dizer que não possamos reconhecer o quanto de coisa tem errada aqui, admitir e pedir desculpa quando agimos errado, só que nitidamente, se houve algo que não erramos foi na nossa forma de receber e torcer nestas Olimpíadas.

Estamos sempre de braços e sorrisos abertos pra receber os estrangeiros e isso de fato é lindo, nunca vi algo parecido em nenhum país que estive ou morei. Só acho que falta abrirmos os braços pra nós mesmos, nos amar mais e nos aceitar um pouco mais como somos, esta torcida apaixonada que traz consigo o chorume e o perfume que é ser brasileiro.