sexta-feira, 7 de abril de 2017

Esse Pessoal dos Direitos Humanos

Depois de ver a recente execução de dois homens, perto do colégio onde a adolescente Maria Eduarda foi baleada e faleceu, li algumas pesquisas que revelam bem a contradição e falta de informação a respeito de temas que envolvem este incidente trágico. 

Um em cada três cariocas acreditam na frase: "bandido bom é bandido morto." Já quando perguntados se a polícia deveria ter carta branca pra matar, 75% diz que não. E quando se pergunta se Direitos Humanos atrapalham o combate a criminalidade, 70% diz que sim.

Em comum aos depoimentos na mídia, opiniões de gente que pensa diferente de mim que li nas redes sociais e conversas acaloradas de bar, vi ser usado muitas vezes um termo que acho extremamente inocente: "o pessoal dos direitos humanos."

Eu não sou afiliado a nenhum partido, e devo admitir, tenho até certo preconceito por quem vejo que até hoje ainda veste a camisa de algum partido como se este fosse arauto da ética, pureza e práticas limpas. No entanto, para começo de prosa, acredite: não foi o PT ( ou algum outro partido de esquerda ) que inventou os Direitos Humanos! Os Direitos Humanos foram criados pela ONU, no período depois da Segunda Guerra Mundial.  A idéia era promover a igualdade, para que todos os SERES HUMANOS tivessem direito ao básico, como saúde e educação. 


Nests seleto grupo de HUMANOS, incluímos: homem, mulher, branco, preto, amarelo, azul, hetero, gay, trans , e logicamente dentro destes previamente mencionados podemos incluir bandidos e policiais.

Sendo todos humanos, n
enhuma morte, seja de policial ou de bandido, deveria ser mais importante que a outra. Porém, o que acontece claramente no Brasil é que confunde-se justiça com vingança. Um policial, bem como um bandido ou qualquer outra pessoa, não pode ter o poder absurdo de executar ou não alguém, sem que esta pessoa tenha direito a passar por um processo e ser julgada. 
Eu nem sou da área de direito, mas não é muito difícil ter acesso a Constituição Brasileira que diz que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (Art. 5º, III) e que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (Art. 5º, LIII) e assegura “aos presos o respeito à integridade física e moral” (Art. 5º, XLIX).

E aí é que começa a parte ardilosa: se você acha natural que as leis e a Constituição sejam respeitadas de forma relativista e seletiva, só vale pra quem não é criminoso, não é contraditório esperar que estas mesmas leis devam ser aplicadas  e seguidas quando se trata do criminoso? Se você acha correto executar bandido, por este raciocínio o que você está corroborando é a idéia que talvez povoe a cabeça de um bandido também: as leis não precisam ser respeitadas, afinal, crime é igual a impunidade.


Como mencionei na recente pesquisa, muita gente ainda acredita que direitos humanos servem pra defender bandido, tanta gente ainda não entendeu que ser a favor de direitos humanos não é igual a querer ver bandido solto. O que os Direitos Humanos defendem é que o criminoso tenha um tratamento JUSTO, como eu, ou você, ou um filho nosso tenha caso cometa um crime, direitos humanos defende que os presídios não sejam superlotados, que todos cumpram suas penas sem serem constantemente torturados, tratados como lixo em prisões superlotadas e insalubres para bem além da nossa imaginação. Eu não preciso mais imaginar, porque através de um amigo Defensor público tive um leve, porém chocante e surreal, gosto do que acontece nas prisões no estado em que ele trabalha.

Não se pode concluir que estas condições citadas sejam justificativas por si só para alguém entrar, continuar ou se encalacrar ainda mais no crime, e este não é o ponto. 
O  ponto é que uma das formas de resumir Direitos Humanos é a vontade de defender os direitos sociais, que valem para mim, para você e para o criminoso, pois saiba, ele também tem direitos por mais que isso as vezes possa te contrariar. Eu e quem quer que defenda os Direitos Humanos não quer levar marginal pra casa por "peninha", mas sim acreditar que talvez se todos tenham acesso à educação, possamos quebrar o ciclo e deixar muita gente fora da criminalidade.

Numa destas conversas de mesa de bar, depois de ver um video de whatsapp, fui argumentar que não concordava nem achava engraçada a forma que dois policiais espancavam um adolescente que tinha furtado uma mulher grávida. Pronto. Basta argumentar qualquer coisa em favor de delinquente que não é raro ser chamado de "esquerdopata", "defensor de bandido", "queria ver se fosse uma mulher da tua família","tá com peninha, leva pra casa" e por aí vai. Minha mãe, que é mulher diga-se de passagem, já foi roubada, com direito a arma na cabeça e agressão, e ainda que pegassem os bandidos achar aceitável que eles fosse espancados e torturados é o mesmo que achar aceitável ela ser assaltada de dia com uma arma apontada na cabeça. 

 Achar corriqueiro e aceitável dois homens serem executados ainda vivos e sem oferecer ameaça aos políciais, equivale a achar o mesmo de uma adolescente morrer baleada com tiro de fuzil dentro da escola. Barbárie é barbárie, tanto pro bandido quanto pra minha mãe, e um grande problema é que muitos de nós brasileiros estamos cada vez mais tomando o absurdo, como normal, com o agravante que se o absurdo é contra um bandido, tendemos a ser mais coniventes.

Como bem resumiu
 Atila Roque, diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil.  "Aceitar o Estado de exceção e a barbárie significa que todos perdemos: perde o sistema de Justiça, que não dá conta, perde a polícia que está em guerra contra a sociedade, perde o chamado 'cidadão de bem', brutalizado pelo medo, perde a sociedade, que admite e alimenta a vingança em vez da justiça. Perdemos a nossa própria humanidade." 


Acredite, se você defende que bandido bom é bandido morto e acha que é aceitável viver em um mundo com direitos humanos seletivos, onde é olho por olho, dente por dente, é certo que caminhamos pra sermos um mundo só de banguelas e cegos.

Falar esse "pessoal dos direitos humanos", é uma expressão besta, não existe este pessoal e se existe, talvez eu faça parte deles. Quem é a favor dos Direitos Humanos só defende uma coisinha que, na teoria, todo mundo diz adora encher a boca pra dizer que tem:
amor ao próximo, e o próximo é tanto sua mãe de 73 anos como o bandido que botou uma arma na cabeça dela.


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

A ditadura as avessas dos oprimidos

Muitas situações polêmicas que envolvem minorias me fizeram refletir muito recentemente. Em especial teve diversos textos (antigos e mais recentes) sobre a questão das marchinhas de carnaval no Rio, e a última, e que mais me impactou, foi quando o li este texto através do qual soube da história da jovem com câncer que foi acusada de apropriação cultural ao usar um turbante. Todas estas situações permeiam uma questão que vi ser usada diversas vezes em debates sobre estas polêmicas: lugar de fala.

Lugar de fala é uma expressão que aparece recorrentemente em temas que envolvem militantes de movimentos feministas, negros, LGBT e em discussões na internet, como contraponto á falta de voz destas minorias sociais em espaços de debate público e é utilizada por grupos oprimidos que historicamente têm menos espaço para falar. Lugar de fala é a busca pelo fim da mediação: a pessoa que sofre preconceito fala por si, como protagonista da própria luta. Ou seja, negros têm o lugar de fala, a legitimidade, para falar sobre o racismo, mulheres sobre o feminismo, transexuais sobre a transfobia, e assim por diante.

Apesar do conceito em sua essência ser extremamente positivo, o alastramento, a popularização e o uso distorcido do lugar de fala gera muitos efeitos paradoxais e negativos como este print do twitter abaixo, de uma conta (que parecia real, sofreu diversos ataques e hoje fui ver está desativada) de alguém que parecia ser uma militante feminista negra criticando a menina com câncer que usou um turbante. 


Um primeiro efeito paradoxal do uso distorcido do conceito de lugar de fala é reforçar os argumentos "ad hominem"Há algum tempo atrás fui atacado quando argumentei em um texto sobre uma posição de militância feminista que achei extremista e incoerente. Diversas mulheres me massacraram e desqualificaram meus argumentos, não pelo teor destes, mas pelo simples fato de eu ser homem. Em um paralelo, é tão absurdo como um militante de extrema direita defensor do Trump desqualificar minha argumentação contrária aos decretos anti-imigratórios do Sr. Presidente porque não sou estadunidense. E um fator agravante é que estes argumentum ad hominen usados contra mim neste contexto são reproduzidos não só na pauta do feminismo, mas num debate entre uma feminista negra desqualificando uma feminista branca, um transexual atacando um homosexual. Como bem disse Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, se um movimento social desqualifica argumentos que não são enunciados pelos próprios oprimidos, simplesmente por não serem enunciados por oprimidos e não pelo seu teor, de certa maneira ele resgata e legitima uma modalidade de argumento ad hominem.

Este tiroteio ideológico desqualificatório em diferentes círculos de militância, que diga-se de passagem só fortalece a extrema direita,  é usado tantas vezes para blindar a crença que lugar de fala é uma forma de superioridade gnosiológica das pessoas pertencentes a um determinado grupo oprimido, como se estes tivessem uma espécie de acesso privilegiado à verdade, pela sua identidade ou pertencimento a estes grupos. O conhecimento pragmático, o contato direto com uma realidade, são apenas duas formas de conhecimento e reflexão sobre ela, mas não são as únicas e nem são hierarquicamente superiores às outras.

É evidente que
 as pessoas não falam do mesmo lugar social e não possuem as mesmas relações com as estruturas de opressão. É certo que os grupos oprimidos devem ter participação ativa e protagonismo nas formas de falar, saber e poder sobre sua própria condição. No entanto, não é saudável se passarmos de um monólogo ditatorial do macho alfa branco, para uma ditadura as avessas dos oprimidos, onde só pode opinar e debater quem pertence aos grupos que até então tinham menos ou nenhuma voz.  A supressão do debate só gera ressentimento e empobrecimento da argumentação, é preciso ter cuidado, a virtude está no meio.

Os abusos e distorções deste conceito de “lugar de fala”,  têm levado ao que definiu  Renan Quinalha, advogado ativista de direitos humanos, doutorando de Relações Internacionais e colunista da revista Cult: "uma lógica problemática de privatização das pautas em uma armadilha identitária". 
Há uma afirmação do lugar de fala de pessoas pertencentes a grupos oprimidos como os únicos legítimos e aptos a discutir problemas que afetam todos nós. O resultado é que este posicionamento que tem forte viés anti-democrático, onipotente e onisciente sobre estas pautas, acaba alienando e gerando resistência ainda maior em alguns grupos privilegiados, fazendo que mesmo em discursos legítimos, pertinentes e coerentes, só se veja"mimimi" Medidas extremas de esquerda, são prato cheio para extremismo de direita e vitórias de Trumps.

No sentido de construção cultural e histórica, a identidade é um fator fundamental de autoconsciência, de pertencimento, de auto-estima, de solidariedade de grupo e crucial para a ação política dos oprimidos. Contudo, não é nada saudável o que tem se transformado em uma espécie de enfatização desta condição, um uso cada vez mais frequente da identidade como objeto de fetiche, de propriedade inalienável, ao invés de ser vista como um rótulo com data de validade, para irmos além da lógica de segregação. Antes de negros, brancos, machos, fêmeas, gays e héteros, porque não enfatizar cada vez mais o fato que somos todos seres humanos? 

É importante ressaltar que não pretendo confundir representação com lugar de falar. Um hétero por exemplo jamais pode representar um gay, mas do lugar de fala pelo qual este hétero vê o mundo, é perfeitamente possível que ele assuma a questão relacionada a este tipo de discriminação eticamente. Não se pode negar a existência de "lugar de fala”, entretanto, novamente citando Quinalha, "deve-se frisar que lugares de fala é expressão que se pronuncia sempre no plural". Vamos lembrar que opressor e oprimido não esgotam a enorme pluralidade das relações humanas e sempre refletir que q
uem só conhece seu próprio lado do caso pouco sabe sobre ele.