quinta-feira, 11 de julho de 2013

Desculpe o transtorno: estamos demonstrando nosso egoísmo


" O mundo é dos espertos, minha tia!" ao som de o Rio de Janeiro continua lindo em versão Bossa Nova, foi uma das primeiras lembranças de quando vim visitar o Rio bem pequeno.

Até meus 17 anos, antes de ir morar em NY, eu vivia em Petrópolis, uma cidade de 300 mil habitantes, que está a 50 minutos do Rio, e é opressoramente fria e pacatamente chata. 

Uma das primeiras vezes que vim ao Rio, essa cena ficou na minha memória: minha mãe esperando uma vaga, ela sai do carro pra pedir uma informação ao guarda, vem um cara e entra rápido na frente dela. Quando ela foi argumentar, o malandrão teve a cara dura de dizer:" O mundo é dos espertos, minha tia!"

O carioca tem fama de metido a esperto, e assim somos na nossa maioria mesmo. Poderia citar milhares de exemplos, mas vou me limitar a exemplos que interferem no funcionamento de grande parte dessa nossa comunidade sem comunhão. 

O primo de um amigo é a caricatura do carioca esperto. Foi pra Floripa e ria todos os dias de como a galera era "agarrada" no trânsito: "Maior fila pra entrar na ponte e eu entro lá na frente." Essa mentalidade eu vejo todos os dias no trânsito, seja  de bicicleta ou de carro.


Todo dia: o cara só quer chegar o carro DELE o máximo pra frente o possível e pronto, bloqueou o cruzamento. O outro egoísta do outro lado buzina como se o mundo girasse em torno dele e todos nós achássemos agradabilíssimo alguém tochando a mão na merda da buzina. E pra piorar o trânsito tem a síndrome do pisca-alerta é altas: o cara acha que liga o pisca-alerta pode fazer qualquer coisa no trânsito, tipo estou de altas, desde parar em qualquer lugar e bloquear uma pista inteira por 5 minutos pra fazer qualquer coisa, até as manobras mais esdrúxulas que o motorista que vem atrás tem que adivinhar. Sem falar que o trânsito está cada vez mais insuportável, e reparo que 90% dos carros tem só um egoísta esperto dentro. 

Minha impressão é que a malandragem egoísta reina no Rio, mas tenho muitos amigos baianos que me dizem que é tudo muito parecido por lá, seja no trânsito, seja na mentalidade.

Por outras bandas, o Zé, irmão de um amigo de Petrópolis, conheceu uma dinamarquesa. Eles se apaixonaram. O sexo era frio, mas ela não se atrasava. O beijo era seco, mas ela tinha noção de sociedade. Deve ser por isso que ele se mudou pro verão de 3 dias e pros - 20 graus de lá.

Um dia, Zé, como bom exemplo de queimador de filme de brasileiro, chegou no seu primeiro dia de trabalho atrasado.( Só faltava ter roubado alguma coisinha do escritório, ou parado em local proibido.) Pra sua enorme surpresa de atrasado, em um estacionamento gigante da sua empresa, quase dez minutos de caminhada das vagas mais distantes, havia uma vaga bem ao lado do escritório.

No dia seguinte, de novo: atrasado. Pra sua gigante e enorme surpresa, uma vaga ainda mais perto do escritório!

Pra dar uma variada na vagabundagem, ele decidiu se organizar e chegar bem cedo no dia seguinte e entendeu o que estava acontecendo e o que é ter noção de sociedade. As pessoas que chegavam mais cedo estacionavam nas vagas mais distantes possíveis. Por que? Porque quem chegasse atrasado teria menos tempo pra caminhar o estacionamento todo e seria beneficiado ao estacionar mais próximo ao escritório. Não é lei, não é regra, não é obrigação. É simplesmente um exemplo de noção de comunidade, de interdependência, é uma forma de pensar, uma mentalidade que consequentemente gera uma forma de se comportar.

Exaltar os exemplos gringos não se trata de determinismo geográfico ou daquele velho papo idiota de superioridade européia. Mas a questão é: muitas coisas na Dinamarca funcionam, as escolas educam, os hospitais atendem, enfim, o sistema funciona. E o porquê é em grande parte a mentalidade, a noção do que é viver em comunidade.

Uma definição de comunidade é: Comunhão, sociedade, nacionalidade, agremiação de indivíduos que têm a mesma crença ou a mesma norma de vida. Sim, cariocas, brasileiros, nós temos a mesma norma de vida : o egoísmo.

Essas manifestações me deram uma impressão positiva sim evidentemente, nós levantamos a bunda do sofá e fizemos alguma coisa! Ironicamente muita gente saiu do facebook... Só pra postar fotos cult no próprio facebook dizendo que estava lá. Ironia a parte e em parte, teve sim muitos lados positivos,  entre eles ilustrar a falta de coesão desse povo que faz mais do que a obrigação. 

Sim, tinha muita gente com propósito claro: muita gente achando que era micareta, muito fanfarrão, muito aproveitador, muito vendedor, muito alienado, muito politizado, muito de muita coisa, e um traço muito marcante: muito cada um por si, muito bobo pensando só no seu próprio rabo em uma manifestação coletivamente egoísta. 
Eu com MINHA reivindicação que é sem dúvidas a mais importante de todas.

O que era pra ir contra os governantes, que poxa gente, coitados, só querem poder roubar e avacalhar o país em paz, e fecham ruas, desligam câmeras, apagam luzes só pra poderem usar um sprayzinho de pimenta (no dos outros é refresco), usar umas bombinhas de gás lacrimogênio e dar uns tirinhos de borracha... Pois é, acaba sendo um tiro no nosso pé, vamos combater o egoísmo demonstrando como podemos ser egoístas.

Parece que ninguém pensa num funcionamento mais abrangente e conectado das coisas. Vamos pra rua e foda-se. Foda-se que ela mora em  Deodoro e vai se fuder pra ir pra casa porque a estação está fechada, foda-se que ele, que é tão alienado quanto você que está na passeata, optou não participar mas levou tiro de borracha na cara mesmo assim, foda-se que aqui é uma área residencial da Tijuca e tem famílias com crianças porque eu vim em PAZ,tá ok, contra o Paes, tá ok,e por isso vale tirar a paz de quem vive aqui, tá ok ???! Foda-se, o protesto é maior, a minha causa é nobre e justifica tudo.

Não tiro absolutamente o valor do vem pra rua e foda-se. Num primeiríssimo momento valeu. Agora é hora de organizar mais esse movimento e não continuar no cada um por si egoísta fugindo de bala de borracha.

Cada um por si tem seu valor logicamente. Ter atitude egoístas não te torna um egoísta total. Egoísmo tem naturalmente uma ranso negativo, mas não é necessariamente ruim.Steve Jobs foi um belo de um egoísta babaquinha, quando teve uma filha com a namorada de longa data Chrisann Brennan, aos 23 anos, ele não apenas negou a paternidade como notoriamente terminou com Chrisann. Tudo em prol de si mesmo e do seu trabalho. Mas sem o egoísmo dele eu poderia não estar escrevendo esse texto agora aqui no meu iphone. No caso do avião despressurizar, você tem que ser egoísta e pensar sim primeiro em você, dane-se que sua filha de dois anos está apavorada e sem ar. Egoísmo salva vidas. Ser egoísta e pensar só em si, na própria mudança, o velho cliché de a mudança começa de dentro, é verdadeiro e seria ótimo aqui nesse momento, mas o egoísmo aqui é o tradicional mesmo.

Quando em situação de convívio ou um movimento buscando mudanças que acontece com outros seres de uma mesma sociedade, o carioca,o brasileiro, é quase sempre inconscientemente egoísta.

Pode parecer que eu me acho o pica de ouro e estou fora desse povo ae, mas não. Sou egoísta muitas vezes, lógico, não sou exemplar: falsifico carteira de estudante, ainda ando sozinho de carro, já liguei pisca-alerta e bloqueei uma pista pra deixar alguém, já parei em local proibido, já furei fila. Procuro ter mais consciência, sou uma carro a menos com minha bike quase sempre e procuro não fazer mais estas coisas. 

São atitudes pequenas que parecem inofensivas e que tenho certeza que muita gente lendo esse texto já fez ou faz, mas elas refletem crenças e pensamentos que tem grande participação do nosso fracasso como sociedade interdependente.

O egoísmo do brasileiro fortalece a nossa incapacidade de nos percebermos como interdependentes, essa falta de entendimento do que é coletividade. A gente burla as leis e pensa muito em salvar o próprio rabo porque não confia na justiça, não confia num estado que te cobra pra cacete, mas não te dá quase nada. Aqui é cada um por si, aqui o mundo é dos espertos e acaba sendo todos contra todos, mesmo quando era pra ser todos juntos. Isso acaba com a confiança no respeito às leis, com a fé nas instituições públicas, em nós mesmo como sociedade interconectada. 

E afinal, tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais??

E esse é o ponto, a mudança começa em cada um de nós e as coisas mudam e não só o contrário. Cobra-se dos políticos porque é muito fácil pegar alguém pra Judas, mas tá faltando olhar um pouco pro próprio rabo pensando no rabo dos outros, mudar dentro pra mudar fora. Se é pra ser egoísta, vamos ser egoístas direito.


quarta-feira, 3 de julho de 2013

Sobre um povo que não faz mais do que a obrigação

Meu sobrinho me pergunta sobre o livro do Ornitorrinco: - Titi, trouxe teu livro pra eu ver? Achei muito maneiro aquele desenho daquele bicho (ele não sabe como é um ornitorrinco, ok?) na capa.  Ele achou um sucesso. Simples: porque tem um desenho maneiro na capa. Depois ele faz o adendo que a vovó ( minha mãe) falou pra ele que meu livro deveria ser uma merda, porque com esse nome " Ornitorrinco", não poderia ser coisa boa. Achei o máximo. Não ele ter me contado que ela fez esse comentário, sim ter lançado o livro e sim ele ter adorado. Por outro lado também ela ter feito esse comentário, porque através dele eu pude perceber como a gente pode usar a auto crítica como defesa, como a gente as vezes fez muito, mas tá condicionado a pensar que não fez mais do que a obrigação e como a gente acha que o conceito de sucesso é regulamentado pela ABNT.  

A auto crítica é muitas vezes uma forma de se blindar desse tipo de "ataque da mamãe", é nossa nossa forma de não saber lidar bem com um comentário negativo sobre quem somos ou sobre o que fazemos. Antes mesmo de você falar que meu livro ficou uma bosta eu já acho que ficou uma bosta e inclusive enfatizo as razões pela qual ficou uma bosta. Porque a gente se foca mais no negativo? A gente se enfraquece.

Por muito tempo eu usei a auto-crítica depreciativa. Também já vi muita gente usando a mesma tática, uns por falsa modéstia, outros pela brasilidade no sangue, outros talvez pela mesma razão que eu usava.

Esse tipo de comentário que minha mãe faz, já não me afeta, mas imagine você ouvir coisa parecida do seu pai, dos 5 aos 15 anos, a toda nota 10 tirada: Você só estuda, não fez mais do que obrigação. Essa frase aparentemente inofensiva pra alguns, é um cliché nocivo, uma péssima escolha de palavras com consequências bem mais nefastas do que se pensa. 

Você acha que fez algo especial e vem a opinião alheia e te diz que não fez mais que sua obrigação, que não foi esse sucesso que você acreditava. Caso você não esteja com sua auto-estima bem trabalhada, existe grande chance de você acreditar que de fato não fez nada além de sua obrigação. Não precisa ser só a família a dizer. Essa mesma frase poderia vir da sua namorada pra você, de um professor ou de nós mesmos falando do nosso país. 

Por um primeiro prisma, vejo alguns relacionamentos. Você muda um comportamento, faz um agrado, ou atende a um pedido do parceiro e escuta: Mas também, só porque eu pedi, não fez mais do que a obrigação. O que?! Então o fato da pessoas estar se esforçando, ter te escutado, e talvez até estar abrindo mão conscientemente de uma posição própria pra tentar harmonizar a relação não é mais do que a obrigação? 

Uma segunda perspectiva é como professor. Percebo que a tendência geral é muito mais no que não sabemos do que no que sabemos. Alguns alunos, insistem em pedir que eu corrija e aponte erros na hora, o que é um erro. ha-ha-ha. Fazer este tipo de correção imediata, a técnica chamada "correction on the spot", consiste em corrigir o aluno assim que ele comete o erro, tipo criança bota a mão no bolo toma um tapão na hora. Eis mais um exemplo do foco no erro. Não é a toa que nos níveis básicos, quando entrevisto alunos (que já estudaram inglês em alguns cursos) sempre escuto : Não sei falar nada. Faço 10 perguntas básicas e a pessoa entende e responde todas. Como é? Acho que temos um erro no foco ae, minha querida. Sim, você ainda não sabe debater sobre pensamentos filosóficos, mas dizer que você fala NADA, é um erro grave de julgamento ( sem querer focar no errado, certo?), é só a ponta do iceberg.

No Brasil não tem iceberg, mas tem essa epidemía de nãofezmaidoqueaobrigaçãozite danada, uma inflamação no cérebro que te faz acreditar que tudo é sempre muito pouco, que ninguém reforça a qualidade, o elogio, o acerto, e que bota o foco quase todo no aspecto negativo, no erro, na falha.

Por um terceiro aspecto, nossa visão do nosso país. Temos muitos governantes de merda, e ainda tem muita coisa absurda e errada por aqui, ok, mas não tem uma coisita dando certo no Brasil? Porque nunca vi uma pessoa postando em uma rede social que os indicadores econômicos, de distribuição de renda, índices de analfabetismo, estão melhores do que no passado. Compartilhar vitórias não dá muito número de curtidas? Ou talvez o pensamento seja isso não é mais do que a obrigação?

Quando morei em Nova Iorque, pude perceber essa questão da auto-estima e do foco no sucesso levado a um outro extremo. Muitos americanos são erroneamente considerados arrogantes, porque acham, (e dizem) que são bons em alguma coisa. Quando são mesmo. O perigo é que existe uma linha muito tênue entre exaltar algo de bom em você mesmo e a arrogância de se achar muito-foda-cago-na-sua-cabeça.

Uma coisa sensacional, espetacular e linda de morar fora é que você tem a oportunidade de ver seu país de fora, com um outro olhar, e logicamente o país onde você é de fato um extrangeiro também. Nos EUA pude ver como nós brasileiros temos   baixa auto-estima como nação, como a gente valoriza muito mais nossos erros e falhas. Essa ode ao erro vai desde a nossa educação e forma de ensinar, até os jornais, rodas de bar, redes socais. 

Ainda nos USA, também pude ver que essa máquina toda de All American Pride, tem como consequência desastrosa muitas vezes uma auto-estima fake e elevada à décima potência, baseada em uma lavagem cerebral da escola ou dos noticiários que os faz acreditar que são o cheddar do mundo, aí sim é o famoso estereótipo do All American Arrogance. Percebi que esse modelo de auto-punhetagem sim reforça mais o lado positivo das coisas, o êxito, mas traz uma consequência nociva: a uniformização da definição de sucesso.

Não se engane, dei exemplo dos EUA, mas a o sucesso também usa uniforme aqui. Todo esse papo da opinião de outrem, de não fez mais que a obrigação, tem influência na questão sucesso: na relação, no trabalho, na escola,  na vida. Inventaram notas, medidas, fama, bens , estatus, Ferraris e contas bancárias, e  criaram relações dessas coisas com sucesso, como se fosse mensurável, definido e rígido. Ser bem sucedido, ser um sucesso em algo, significa na esmagadora maioria das vezes atingir as metas que alguém inventou pra você pessoalmente, e pra você brasileiro.

O irônico é que já vi diversas vezes um brasileiro puto com um gringo que fala que isso ou aquilo no Brasil não presta. Se não é brasileiro não pode? E você esperava o que? Se nós mesmos estamos sempre com o foco no que deu errado?

Não se trata de fazer vista grossa e não falar dos absurdos que acontecem aqui, mas de mudar o olhar sobre eles, e por outro prisma, exaltar e reforçar mais o que fazemos de bom, sem cair no extremo do exemplo americano. Sinto que muito da nossa auto-crítica de brasileiro, é uma forma de se proteger: vamos exaltar nossa merda, porque se alguém vier criticar dói um pouquinho menos; vamos estabelecer padrões internacionais de sucesso inatingíveis pra gente poder pra sempre reclamar e criticar os governos! Já deveríamos ter passado dessa fase.

Eu passei dessa fase. Penso que como brasileiros e como seres humanos, deveríamos mudar um pouco nosso foco. Que tal usar a mesma força que a gente critica o que tá errado pra exaltar as nossas vitórias?

Sem falsa modéstia,  não achei esse texto espetacular, mas neste ponto, eu tenho que dizer que foi um sucesso sim, e concluindo, sinto como brasileiro e como humano que fiz muito além da minha obrigação.