sábado, 6 de dezembro de 2014

Filho feio não tem pai. Nem mãe.

Feiura. 

Defeito genético? Castigo de Deus? Ou um baita de uma azar desgraçado mesmo? 

Tem gente que vive do mercado da feiura, mas deve ser uma merda ser feio. Ser bonito é subjetivo, graças a Deus eu sou um dos caras mais lindos do Brasil, da America Latina e quiçá do mundo hoje. Mas já fui gordo. Gordo é sempre considerado feio. Seja gordo por um dia e você vai entender.

Um bichinho que eu comia muito enquanto balofo era lagosta, e se tem uma coisa que é certa é que a lagosta também não é reconhecida por ser um bicho bonito. Lagosta é um bicho feio. É uma barata do mar, vermelha, cheia de pelinhos grotescos, antenas e com um exoesqueleto duro e cheio de calombos. É caríssima, é uma iguaria, tem que ser morta ao ser jogada viva dentro de água escaldante, mas é uma delícia mesmo assim.


Mesmo pagando de gatona as lagostas são feias pra caralho. Merecem morrer.


Se tem uma coisa que também é certa é que coelho é reconhecido por ser um bicho muito bonitinho. Coelho é um bicho fofo né? Aqui em São Paulo tem um lugar incrível: o Le Lapin Tué. Restaurante francês especializado em coelho. Tem coelho frito, assado, rechado, estrogonofe de coelho, pizza de coelho, pastel de coelho, espetinho de coração de coelho e o famoso petit gateu de coelho. A coisa em comum de todas as receitas é que eles tem uma técnica para garantir a carne desmanchando na boca. Eles usam o mesmo processo da lagosta: pegam o coelho e jogam ele vivo na água escaldante, mas é uma delícia do mesmo jeito.


Essa lagosta vc tb jogaria viva num panelão de água fervendo?
Esse restaurante não existe e a imagem do coelho vivo na água fervendo choca muito mais não só por fatores culturais, meus caros, mas por um fato elementar: o coelho é bonito. Lagosta é morta cruelmente,  sem pena, e com rara reflexão sobre seu sofrimento, sabe por que? Porque ela é feia.

Mesmo que seja uma forma rudimentar e tosca de demonstrar sofrimento a lagosta sofre. Encoste o rabinho dela na água a 90 graus celcius e você vai ver que se ela fosse burra e com sistema nervoso primitivo, uma idiota que não sente nada, como argumenta-se convenientemente, ela não iría desesperadamente tentar fugir e se agarrar nas bordas como faz. Um coelho gritaría e veríamos nos seus olhos seu sofrimento.  Ainda assim: de onde vem a idéia de que uma forma primitiva e pouco articulada de sofrimento é menos digna de consideração do que uma forma "evouluida" de sofrimento? Existem algumas razões, mas vou me ater a meu ponto aqui: o sofrimento da lagosta é menos considerado porque a lagosta é feia. 


O ponto aqui não é o sofrimento animal. Esse não é um texto ecochato, vegan ortodoxo que quer defender não comer proteína e  sofrimento animal. Penso que a gente tem sim que considerar a lagosta. Só que pra ser bem franco (sem trocadilho), saber do sofrimento dos animais,  não diminuiu meu prazer em comer um filé com queijo do Alfa Bar ou do Polis Sucos por anos. Na nossa alienação proposital e conveniente do processo de abatimento do boi até ele virar bife e no prazer em comer do espírito do gordo que ainda vive em mim, eu não estava pensando no processo e nos maltratos que aconteceram enquanto eu me lambuzava comendo aquele filé macio com queijo derretido. Eu raramente como carne em geral hoje, mas pela "simples" razão "egoísta", e não menos positiva, de que me sinto leve e bem, e de tabela imagino que estou fazendo bem pro mundo e pros animais, sejam eles bonitos como o coelho ou feios como a lagosta, o ponto aqui é a beleza, ou melhor, a falta dela.


Muita gente tem pena de comer coelho, mas rói até o ossinho da galinha, come espetos de coração desse ser que é feio pra cacete. Lógico que existem muitos fatores culturais, na culinária em especial, mas vou além da culinária e cultura. 
Tão certo quanto o fato que galinha não tem 3 corações, (como minha mãe uma vez me ludibriou quando bem pequeno concluí que cada coração vinha de uma galinha) os seres belos inspiram mais compaixão.

Com que frequência você vê alguém matando e estraçalhando uma joaninha? Já um besouro cascudo e feio... Borboletas coloridas, lindas, "ah não mata tadinha!" Já uma mariposa acinzentada e peluda não é tão difícil de ser estraçalhada. Baratas são nojentas por várias razões, mas as vezes elas estão quietas, na delas. Mata, pisa nela! Mosquito? Mosca? Frita com raquetinha de choque. Feiura não inspira compaixão. Filho feio não tem pai.(https://www.youtube.com/watch?v=lHnNlneEf3Q) Nem mãe. 

E o irônico é que diz-se hoje que nossos critérios de beleza dentre outros fatores, são baseados na simetria que por sua vez teria alguma conexão com genes mais interessantes para procriação e todo esse blablabla que já se falou.  Mas o fato é que os padrões de beleza já foram outros como no renascimento e, na real, são bem relativos. Não precisamos ir até a China, só até Secretário já basta. 

Eu era gordo até meus 16 anos e gordo não é frequentemente visto como exemplo de beleza nos padrões de hoje, em Secretário é. M
inha família tinha um sítio em Secretário, que deve ficar só a umas 2 horas de distância do Rio, lá no sítio em especial eu não curtia ser gordo. Não só porque era difícil pacas sair da piscina por onde não tinha escada, não só porque uma coxa roçava na outra quando eu jogava futebol e eu ficava assado, mas em especial por ser um gordo adolescente, e por causa da caseira do sítio. A caseira, a Beatriz, toda vez que me via enchia a boca achando que estava sendo lisonjeira: "Nossa olha que menino bonito! Olha esses "braço" roliço! Essas "bochecha" gorda, esse barrigão gordo!". Como ela tinha 16 filhos, a comida era muito racionada e os filhos delas eram bem magros, logo, ela via a gordura como beleza. Eu ficava muito puto com a Beatriz, mas desde esses anos comecei a refletir sobre isso do que é considerado belo, feio e as suas consequências.

Essa beleza que é uma benção, é como uma moeda de troca, é ostentada, valorizada e vangloriada, quando não há mérito nenhum nela,
 seja presente de Deus ou dos genes, beleza é uma característica inata e pré-determinada tanto quanto a feiura. Por mais que os porquês sejam bem contestáveis, dá pra argumentar que uma beleza de se enquadrar nos padrões estéticos de hoje tem algum "mérito" porque é necessário fazer exercício, dieta, cirurgia, enfim, usar qualquer tipo de artifício, loucura ou esforço e perseverança pra atingi-la. E qual é o mérito de quem já nasce lindo? E então porque se valoriza tanto o ser belo?


Essa loucura de valorizar a beleza como qualidade e vantagem chega a pontos estratosféricos. Um estudo da Universidade do Estado de Michigan, Why Beauty Matters, concluiu que os profissionais vistos como feios são tratados de forma muito pior pelos colegas, quando comparados com aqueles considerados bonitos, mesmo após serem levados em consideração outros fatores como gênero, idade e tempo de trabalho na empresa. Em outro teste a produtividade dos humanos considerados bonitos foi a mesma que dos "comuns", mas os bonitões mostraram muito mais confiança, pela constante validação e aprovação das suas belezas. E ainda em um outro parte do estudo, quando os empregadores avaliaram apenas o currículo dos candidatos, a aparência física não influenciou a estimativa. Mas, quando fizeram entrevistas cara-a-cara e conversas telefônicas,  resultados positivos para os mais belos, obviamente.

A beleza exerce um poder de empatia, de coerção e de encantamento que fica acima do nosso raciocínio lógico. Dificilmente alguém olharia para um bonitão de terno e pensaria: "Vou atravessar pra outra calçada que esse cara vai me assaltar."


A beleza também não tem relação alguma com ser burro nem inteligente, mas ela emburrece a gente através do encantamento que pode exercer. Como no caso dos prefeitos idiotas que me marcou, justo pelo uso da beleza que encanta emburrecendo. 

Eu mesmo que me considero inteligente quantas vezes fiquei burro, sem discernimento nem clareza de raciocínio diante da beleza. Lembro de uma vez aos meus 16 anos que uma vendedora linda, estilo top model, de olhos azuis muito claros, decote com peito grande e firme em destaque, sorriso fácil e cabelo encaracolado loiro de Gisele, apelou dizendo que eu estava "muito gato" com uma calça. Eu até percebi qual era a dela, mas fiquei quase que retardado com aquelas palavras vindas de uma deusa daquelas, eu sorria e acreditava, mesmo sabendo que era uma técnica de venda descarada. Levei uma calça de R$250 que mal entrava nas minhas pernas gordas assadas.

Saí da loja, ainda gordo e feio, MAS feliz. Veja que até na comunicação e na linguagem fica evidente nossa super valorização da beleza. Eu escrevi esse texto. Suponhamos que você leu e achou que eu escrevo bem. Você olha minha foto, me acha bonito: Nossa ele é bonito E até que escreve bem. Você olha minha foto, me acha feio: Nossa ele é feio, MAS até que escreve bem.


Nenhum comentário:

Postar um comentário