quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Muito além de um pau duro

Vou começar mandando uma real pra Lucy e pro João, pra você gatona que lê e pra você meu amigo hétero, machão que tem pau: nós homens não somos nosso pau duro e um relacionamento saudável vai muito além de pau duro.


A Lucy tem 46 anos. Desde os 25 ela malha religiosamente. Ela estava cansada de malhar e então tinha resolvido parar. Só que uma semana depois ela ficou insegura e voltou. É que a Lucy e o "João" acham que o grande valor dela é o corpão dela. João também tem 40 e tal, é o peguete da Lucy. Eles só transam de luz apagada. É que o João implica com as "pelancas" da Lucy e com o fato dela não ter aquela lubrificação enxarcada inigualável de garota de 18 anos. Ao mesmo tempo ela não aceita o fato do João as vezes não querer transar porque alega que se o pau dele não tá duro é porque tem alguma coisa errada com o corpo dela. Senão é com ela então é com ele e o pau dele. Senão com a relação. João por sua vez, não admite jamais não ficar de pau duro. E não, não poderia ser só falta de desejo de um dia, e não, não poderia ser porque eles são um casal único em uma relação única com necessidades únicas. Não. Não desejar é inaceitável. O pau sempre tem que estar duro.

Se você, mulher, heterosexual espera que o mundo seja menos machista, que os homens sejam menos babacas e que você não seja sempre vista como uma pedaço de carne a ser jantado, comece por não reforçar comportamentos que botem o pau duro como supra sumo do poder na relação homem x mulher. Você pode achar a história da Lucy meio machista e bizarra, mas acredite que você também tem ou já teve estes comportamentos.

Tinha começado a ficar com ela devia ter uma semana. Convidei pra dormir na minha casa porque ficou tarde e ela morava bem longe. Ela hesitou. É pra dormir mesmo - eu garanti - tô querendo te ajudar, não é tática barata dissimulada pra te comer - sendo franco, brinquei. Ela riu e aceitou. A gente se beijou, eu não tentei nada e dormi. Não tentei não só porque estava exausto, mas porque não tava afim mesmo e garanti que era só pra dormir, fui literal em cumprir o que disse. De manhã, ela me olha nos olhos, faz um ar sério e grave de quem vai soltar uma bomba e lança: Franco, posso te falar uma coisa? Eu acho que voce é gay. Eu ri muito.

Gostaria de entender: porque se você sai com uma mulher existe a obrigação tácita de ter que comer ela caso ela queira dar? Funciona assim pras mulheres? Hum olha o abdomen dessa cara, humm ele falou que tenho uma bunda gostosa e quer me comer, hummm o pedreiro tá de pau duro me sarrando no metro = fico muito molhada, quero muito dar pra ele. Se eu não quiser dar é porque ou eu sou lésbica ou tenho algum problema de libido ou alguma disfunção sexual. A mulher se interessa por vários outros aspectos no homem e daí porque é tão surreal que o interesse sexual de alguns homens não seja só pautado nessa supervalorização do corpo, do sexo e no fato da mulher querer dar?

Por muitos anos eu não era consciente dos porquês subliminares dos meus atos e sofria essa coerção sem nem perceber. Com uma mulher, não tive a consciência de também respeitar meu tempo e minhas vontades, o resultado: fiquei super ansioso pra que acontecesse e na primeira vez que tivemos oportunidade esquisita de transar, e sob pressão, eu comecei a transa e brochei. Na segunda também. 

Em outra experiência agi diferente. Já tinha acontecido alguns amassos além de beijo, mas não tínhamos transado. Não tive a vontade e o entusiasmo de querer me articular pra que isso acontecesse rápido, na minha cabeça iria acontecer naturalmente, ela me interessava além de só sexo, o interesse sexual estava acumulando, quase tântrico, eu não estava na seca, nem ansioso pra que acontecesse. Ela sim. Depois me contou que o amigo gay dela garantiu que eu só podia ter micropenia e tava com medo de transar por isso. Ela não concordou porque já tinha me apalpado, mas até a gente transar achava que eu deveria ter algum complexo, ou defeito físico,  problema, ou ser gay.

As minhas melhores transas, foram sempre com pessoas que eu já conhecia bem e tinha bastante intimidade. Não falo isso com moralismo, não sou um ortodoxo "reaça", mas acho bem bizarra essa nossa enorme ansiedade disfarçada em comportamento modernoso e liberal de ficar de pau duro e transar rápido.

Não por acaso que o genérico do viagra, um remédio que tecnicamente seria para os velhinhos que não têm mais ereção poderem fazer sexo, é o terceiro mais vendido do Brasil. Outro campeão de vendas é o rivotril.  Esses dados não são meras coincidências e reforçam: Estamos ansiosos por paus duros. Estamos cada vez mais imediatistas, e parece muito mais fácil ser gado e fazer como todo mundo faz, transar rápido e partir pra próxima, ter intimidade sem conhecer de verdade a intimidade,  resolver seus problemas de ansiedade com pílulas do que ficar fazendo 3 anos de terapia ou qualquer outra forma de auto-conhecimento. Parece mais fácil, a conta vem depois.

Tenho vários conhecidos que criaram uma dependência psicológica de remédio pra ficar de pau duro: sem pelo menos uma meiota de um remédio azulzinho desses, eles ficam inseguros e brocham. São vários, não um ou dois. Alguns também dizem que na primeira transa sempre tomam um viagra pra não correr risco de não rolar pau duro ou de não "fazer bonito".

Mesmo na vida de casado existe uma super-valorização do pau duro e do ato de transar. Já ouvi de alguns amigos: Porra, eu trabalhei muito essa semana, só transei 2 vezes, amanhã tenho que transar sem falta. E de amiga mulher: Não transamos hoje, temos que transar amanhã sem falta porque senão ele vai ficar com tesão acumulado e pode se interessar por alguém nesse fim de semana que vai passar sozinho. 

A gente passa 1/3 da nossa vida dormindo então teoricamente seria mais importante dormir bem com seu potencial parceiro, depois do sexo, do que o sexo em si. Ironias a parte, acho uma vida sexual ativa e gostosa ótima pra um relacionamento saudável, mas não dá pra existir obrigatoriedade de transar. Também não vejo nada surreal num casal ter uma relação tão foda que o sexo tenha um papel secundário. É um erro pensar que todo casal em uma relação feliz e saudável desfruta de um padrão único de atividade sexual. 

No passado falar abertamente de sexo era mais tabu, mas hoje temos mais e mais informação, o que deveria ser bom, mas acaba desenvolvendo nossa ansiedade de ser um casal "normal" que transa na média nacional aceitável. A internet está lotada de listas e artigos te dizendo as vantagens de meter muito, chegando ao ponto de dizer que você tem que transar mais! Não é a toa que o pau duro seja tão valorizado e a gente se ache muito "anormal" quando porque, por alguma, ou várias razões, a gente transa com menos frequência na relação, pensa logo que tem algo errado.


E esse é o paradoxo central com sexo e relações, de acordo com Barry McCarthy, um professor na American University, terapeuta sexual e de relacionamentos. Quando um casamento ou relação é saudável, o sexo geralmente tem um papel relativamente secundário. Mas quando existem problemas sexuais a relação degringola e o sexo rapidamente se torna uma preocupação devastadora acima de todo o resto, se o pau não tá duro ou a buça não tá molhada, fudeu... Mesmo sem aquela foda.

Vamos deixar essa bobeira de pau duro pra lá, vamos voltar a falar de amor. Lembra do João e da Lucy lá do início do texto? Então, há um tempo atrás eles tavam transando e o João bebeu e depois tomou dois viagras seguidos pra ficar de pau bem duro pra comer a Lucy. João teve um infarto e morreu. A Lucy, apesar do baque inicial, hoje, quase 9 meses depois, já tá bem feliz. Lucy conheceu o "Dildo". Dildo além de bem menos crítico que o João com as pelancas dela, deseja e respeita Lucy como ninguém. Sempre que Lucy quer, Dildo também quer. Dildo tá sempre duro. Dildo é um vibrador.

Meu nome é Dildo.


A sociedade está na cama com todos nós. Se todo mundo faz algo igual ninguém precisa pensar. Se chega o viadinho (no sentido literal histórico de ser viado especialmente) do Franco, ou algum outro viadinho consciente das escolhas dele e não segue um determinado comportamento padrão, eles tem que ter algum problema, porque senão eu, mais um gado da sociedade, preciso pensar. Ninguém quer pensar. Dá muito trabalho. Quem o Franco ou qualquer homem pensa que é pra sair com uma mulher e não querer comer ela rápido? Tá errado! Só pode ser viado porque macho que é macho fica sempre de pau duro e come qualquer buraco quente que esteja querendo ser catucado. Desculpa ae, se você é uma mulher que quis me dar e não te comi, sabe o que é? É que não ganhei meu pau no bingo e eu sou bem mais que meu pau duro.


sábado, 6 de dezembro de 2014

Filho feio não tem pai. Nem mãe.

Feiura. 

Defeito genético? Castigo de Deus? Ou um baita de uma azar desgraçado mesmo? 

Tem gente que vive do mercado da feiura, mas deve ser uma merda ser feio. Ser bonito é subjetivo, graças a Deus eu sou um dos caras mais lindos do Brasil, da America Latina e quiçá do mundo hoje. Mas já fui gordo. Gordo é sempre considerado feio. Seja gordo por um dia e você vai entender.

Um bichinho que eu comia muito enquanto balofo era lagosta, e se tem uma coisa que é certa é que a lagosta também não é reconhecida por ser um bicho bonito. Lagosta é um bicho feio. É uma barata do mar, vermelha, cheia de pelinhos grotescos, antenas e com um exoesqueleto duro e cheio de calombos. É caríssima, é uma iguaria, tem que ser morta ao ser jogada viva dentro de água escaldante, mas é uma delícia mesmo assim.


Mesmo pagando de gatona as lagostas são feias pra caralho. Merecem morrer.


Se tem uma coisa que também é certa é que coelho é reconhecido por ser um bicho muito bonitinho. Coelho é um bicho fofo né? Aqui em São Paulo tem um lugar incrível: o Le Lapin Tué. Restaurante francês especializado em coelho. Tem coelho frito, assado, rechado, estrogonofe de coelho, pizza de coelho, pastel de coelho, espetinho de coração de coelho e o famoso petit gateu de coelho. A coisa em comum de todas as receitas é que eles tem uma técnica para garantir a carne desmanchando na boca. Eles usam o mesmo processo da lagosta: pegam o coelho e jogam ele vivo na água escaldante, mas é uma delícia do mesmo jeito.


Essa lagosta vc tb jogaria viva num panelão de água fervendo?
Esse restaurante não existe e a imagem do coelho vivo na água fervendo choca muito mais não só por fatores culturais, meus caros, mas por um fato elementar: o coelho é bonito. Lagosta é morta cruelmente,  sem pena, e com rara reflexão sobre seu sofrimento, sabe por que? Porque ela é feia.

Mesmo que seja uma forma rudimentar e tosca de demonstrar sofrimento a lagosta sofre. Encoste o rabinho dela na água a 90 graus celcius e você vai ver que se ela fosse burra e com sistema nervoso primitivo, uma idiota que não sente nada, como argumenta-se convenientemente, ela não iría desesperadamente tentar fugir e se agarrar nas bordas como faz. Um coelho gritaría e veríamos nos seus olhos seu sofrimento.  Ainda assim: de onde vem a idéia de que uma forma primitiva e pouco articulada de sofrimento é menos digna de consideração do que uma forma "evouluida" de sofrimento? Existem algumas razões, mas vou me ater a meu ponto aqui: o sofrimento da lagosta é menos considerado porque a lagosta é feia. 


O ponto aqui não é o sofrimento animal. Esse não é um texto ecochato, vegan ortodoxo que quer defender não comer proteína e  sofrimento animal. Penso que a gente tem sim que considerar a lagosta. Só que pra ser bem franco (sem trocadilho), saber do sofrimento dos animais,  não diminuiu meu prazer em comer um filé com queijo do Alfa Bar ou do Polis Sucos por anos. Na nossa alienação proposital e conveniente do processo de abatimento do boi até ele virar bife e no prazer em comer do espírito do gordo que ainda vive em mim, eu não estava pensando no processo e nos maltratos que aconteceram enquanto eu me lambuzava comendo aquele filé macio com queijo derretido. Eu raramente como carne em geral hoje, mas pela "simples" razão "egoísta", e não menos positiva, de que me sinto leve e bem, e de tabela imagino que estou fazendo bem pro mundo e pros animais, sejam eles bonitos como o coelho ou feios como a lagosta, o ponto aqui é a beleza, ou melhor, a falta dela.


Muita gente tem pena de comer coelho, mas rói até o ossinho da galinha, come espetos de coração desse ser que é feio pra cacete. Lógico que existem muitos fatores culturais, na culinária em especial, mas vou além da culinária e cultura. 
Tão certo quanto o fato que galinha não tem 3 corações, (como minha mãe uma vez me ludibriou quando bem pequeno concluí que cada coração vinha de uma galinha) os seres belos inspiram mais compaixão.

Com que frequência você vê alguém matando e estraçalhando uma joaninha? Já um besouro cascudo e feio... Borboletas coloridas, lindas, "ah não mata tadinha!" Já uma mariposa acinzentada e peluda não é tão difícil de ser estraçalhada. Baratas são nojentas por várias razões, mas as vezes elas estão quietas, na delas. Mata, pisa nela! Mosquito? Mosca? Frita com raquetinha de choque. Feiura não inspira compaixão. Filho feio não tem pai.(https://www.youtube.com/watch?v=lHnNlneEf3Q) Nem mãe. 

E o irônico é que diz-se hoje que nossos critérios de beleza dentre outros fatores, são baseados na simetria que por sua vez teria alguma conexão com genes mais interessantes para procriação e todo esse blablabla que já se falou.  Mas o fato é que os padrões de beleza já foram outros como no renascimento e, na real, são bem relativos. Não precisamos ir até a China, só até Secretário já basta. 

Eu era gordo até meus 16 anos e gordo não é frequentemente visto como exemplo de beleza nos padrões de hoje, em Secretário é. M
inha família tinha um sítio em Secretário, que deve ficar só a umas 2 horas de distância do Rio, lá no sítio em especial eu não curtia ser gordo. Não só porque era difícil pacas sair da piscina por onde não tinha escada, não só porque uma coxa roçava na outra quando eu jogava futebol e eu ficava assado, mas em especial por ser um gordo adolescente, e por causa da caseira do sítio. A caseira, a Beatriz, toda vez que me via enchia a boca achando que estava sendo lisonjeira: "Nossa olha que menino bonito! Olha esses "braço" roliço! Essas "bochecha" gorda, esse barrigão gordo!". Como ela tinha 16 filhos, a comida era muito racionada e os filhos delas eram bem magros, logo, ela via a gordura como beleza. Eu ficava muito puto com a Beatriz, mas desde esses anos comecei a refletir sobre isso do que é considerado belo, feio e as suas consequências.

Essa beleza que é uma benção, é como uma moeda de troca, é ostentada, valorizada e vangloriada, quando não há mérito nenhum nela,
 seja presente de Deus ou dos genes, beleza é uma característica inata e pré-determinada tanto quanto a feiura. Por mais que os porquês sejam bem contestáveis, dá pra argumentar que uma beleza de se enquadrar nos padrões estéticos de hoje tem algum "mérito" porque é necessário fazer exercício, dieta, cirurgia, enfim, usar qualquer tipo de artifício, loucura ou esforço e perseverança pra atingi-la. E qual é o mérito de quem já nasce lindo? E então porque se valoriza tanto o ser belo?


Essa loucura de valorizar a beleza como qualidade e vantagem chega a pontos estratosféricos. Um estudo da Universidade do Estado de Michigan, Why Beauty Matters, concluiu que os profissionais vistos como feios são tratados de forma muito pior pelos colegas, quando comparados com aqueles considerados bonitos, mesmo após serem levados em consideração outros fatores como gênero, idade e tempo de trabalho na empresa. Em outro teste a produtividade dos humanos considerados bonitos foi a mesma que dos "comuns", mas os bonitões mostraram muito mais confiança, pela constante validação e aprovação das suas belezas. E ainda em um outro parte do estudo, quando os empregadores avaliaram apenas o currículo dos candidatos, a aparência física não influenciou a estimativa. Mas, quando fizeram entrevistas cara-a-cara e conversas telefônicas,  resultados positivos para os mais belos, obviamente.

A beleza exerce um poder de empatia, de coerção e de encantamento que fica acima do nosso raciocínio lógico. Dificilmente alguém olharia para um bonitão de terno e pensaria: "Vou atravessar pra outra calçada que esse cara vai me assaltar."


A beleza também não tem relação alguma com ser burro nem inteligente, mas ela emburrece a gente através do encantamento que pode exercer. Como no caso dos prefeitos idiotas que me marcou, justo pelo uso da beleza que encanta emburrecendo. 

Eu mesmo que me considero inteligente quantas vezes fiquei burro, sem discernimento nem clareza de raciocínio diante da beleza. Lembro de uma vez aos meus 16 anos que uma vendedora linda, estilo top model, de olhos azuis muito claros, decote com peito grande e firme em destaque, sorriso fácil e cabelo encaracolado loiro de Gisele, apelou dizendo que eu estava "muito gato" com uma calça. Eu até percebi qual era a dela, mas fiquei quase que retardado com aquelas palavras vindas de uma deusa daquelas, eu sorria e acreditava, mesmo sabendo que era uma técnica de venda descarada. Levei uma calça de R$250 que mal entrava nas minhas pernas gordas assadas.

Saí da loja, ainda gordo e feio, MAS feliz. Veja que até na comunicação e na linguagem fica evidente nossa super valorização da beleza. Eu escrevi esse texto. Suponhamos que você leu e achou que eu escrevo bem. Você olha minha foto, me acha bonito: Nossa ele é bonito E até que escreve bem. Você olha minha foto, me acha feio: Nossa ele é feio, MAS até que escreve bem.