domingo, 13 de abril de 2014

Essa é pra casar

Quem ainda não casou que case logo: 
Uma nova lei do governo, prestes a entrar em vigor vai decretar que antes de poder fazer um casamento tradicional, com festa, vestidinho branco etc e tal, o casal tem que ter pelo menos 8 anos de união estável. 
E aí eu pergunto: quantos casamentos, no estilo tradicional, deixariam de acontecer caso isso fosse verdade?


Acho casamento um ritual bonito, de fato, mas acho que há algo de podre no reino da Dinamarca. A minha primeira objeção é que existe toda uma industria e um aparato subliminar pra reforçar essa idéia de querer casar de branco na igreja.

Ainda não é tão modinha no Brasil, mas dando um google rápido em inglês descobri 32 reality shows sobre casamento, i.e., o vestido, a noiva, a festa, etc, jamais sobre como ter uma relação saudável. Isso já diz muito sobre o quanto de energia investe-se de forma torta no assunto. As meninas de educação tradicional e careta são condicionadas desde pequenas de várias formas, em especial pela TV, a quererem realizar o "sonho" de casar de branco. Se uma mulher não tivesse investido tanta energia pra coroar o sonho de infância dela de ser a princesa encantada, com o vestido perfeito, o cabelo impecável e as flores mais lindas, em um dia especialmente dedicado a celebrar o fato dela ter conseguido ser "a pra casar", a que laçou seu homem, quanta energia ela não poderia ter dedicado a outras coisas, ou ainda que fosse a se dedicar a achar um companheiro compatível pra uma parceria pra vida juntos, ao invés de uma coroação do feito dela.

Minha esposa de colete vermelho.


Um casamento é um ritual que, dizem os que se casaram com igreja e festa, é um momento único: Noiva de branco com véu e grinalda, meio fraque pros padrinhos, a criança daminha mais fofa que os noivos conseguirem encontrar pra carregar as alianças,  chinelo com nomes dos noivos, adereços engraçadinhos pra descontrair na pista de dança, uma mesa de chocolate e chá, e outra separada com o docinho mais caro que seu orçamento puder pagar, e se for casamento que se preze, vai sempre ter alguém do cerimonial vigiando estas duas e todo o resto, porque existe a hora apropriada e permitida de se fazer tudo, inclusive festejar. Quantos casamentos "únicos" você já foi que teve um desses,  senão todos estes itens?

Não bastasse só o simples fato da deturpação do ritual em geral tão original e surpreendente quanto o Faustão, minha outra objeção contra o casamento é que ele é cheio de simbologias que reforçam o machismo. 

Pense que ritual sacana: a noiva, que é uma dessas moças pra casar, vem sempre de branco, pura, imaculada e virgem, mesmo quando todo mundo sabe que ela já deu igual chuchu na serra. Detalhe tão normal e natural, mera simbologia inofensiva que ao meu ver reforça subliminarmente a crença nada subliminar de que mulher "pra casar"( leia-se: ser sua companheira) é mulher virgem. Quanto mais rodada mais desvalorizada, fato. 
Os rapazinhos não querem necessariamente casar com uma virgem, mas ela não pode se afastar muito desse modelo machista da mulher pra casar virgem de brancoAfinal, as que deram muito ou que soltaram a periquita na primeira noite raramente serão "pra casar".

O pai da noiva entra sempre que possível com a filha e a oferece juntamente com o dote ao noivo, ou senão, pelo menos muito frequentemente paga a festa. Pensado de uma forma pragmática: eu vou te pagar pra você ficar com essa merda de cria fêmea... Se fosse macho não precisava perder essa grana. 

Na festa do último casamento que fui, tinha um grupo de machos já bêbados fazendo uma brincadeira interessante pra não dizer imbecil. Eles estavam bebendo cerveja que, ironicamente, é justo um produto escrotizador e sexualizador das mulheres abertamente. No mundo da birita, as gostosas são associadas ao produto, reforçando a posição da mulher objeto a ser consumido junto com a loira geladona, expressão que eu acho bem imbecil diga-se de passagem. Esse assunto já é bem batido e nem é o foco do texto, mas de novo, só pra ilustrar esse pequenos detalhes reforçadores do machismo que estão em todo canto e ninguém liga muito. Voltando ao assunto, ninguém liga pra nada quando esta bêbado de cerveja como o grupinho de boys. Eles olhavam as mulheres que passavam e diziam de acordo com os critérios mais escrotos: Essa é pra casar.

Se tem uma expressão que é vagabunda e babaca,  em especial contra às mulheres é:
Essa é pra casar.

O problema do modelo machista de casar na igreja, etc e tal,  é que as mulheres que são as mais prejudicadas, são frequentemente as que mais o reforçam. Expressões que são péssimas como "essa é pra casar" são quase ostentadas, desejadas por muitas mulheres como se fosse bacana, um super elogio. As mães propagam, os rituais e a cultura reforçam, as crenças populares reafirmam.

Quantas vezes já ouvi as cachorras, as preparadas e o baile todo achando que é muita onda dizer: "ah não , eu sou pra casar!" Quantas mães acham bonitinho que o filho de 5 anos é "namorador". Me diz uma que acha bonitinho a filha a ser "namoradora" ? Namoradora é um eufemismo pra vagabunda piranhuda, logo, cuide de sua reputação menina namoradora, se é pra ser vagabunda piranhuda, o seja na moita, case jurando ser virgem e faça como uma cara dura mór que eu conheci: na noite de núpcias, vá ao banheiro rapidinho e forge um sangramento de hímen rompido na sua xota larga.  

Não estou propondo que relações descartáveis sejam estimuladas, mas que haja um tratamento igual a "namoradores"e "namoradoras". Logicamente que este tratamento igual é fora de cogitação, afinal o homem pegador namorador gera o desafio adolescente de ser "a mulher", a que conseguiu laçar, segurar, e domar o moleque piranha. E ainda, como também já ouvi, o homem galináceo gera a curiosidade pueril de saber o que o gostosão tem de especial,  afinal porque tantas quiseram ele? Das duas formas dando uma forcinha pro machismo. 

Não é nada raro ouvir uma mulher falando de um galinha "ruim com ele pior sem ele" ou o que ouvi de uma mulher que era amante de um cara, "prefiro ele pela metade do que nada dele". Realmente né? O que seria de uma mulher sem um ou meio bosta ao seu lado, tadinhas de vocês. E afinal ninguém quer ficar e morrer sozinho,  então é melhor se agarrar mesmo ao seu bosta, porque existem mais mulheres do que homens. 

Essa frase é recorrente e é levada a sério por muita mulher, como uma amiga minha de 50 e poucos anos que sempre diz: "Tá difícil... Tem muito mais homem do que mulher no mundo". Além disso essa estapafúrdia é usada pra reforçar a crença de que está difícil conseguir alguém bacana por causa desta estatística. Ok, a estatística é verdadeira, mas pera lá gatona, qual é a relação do ânus com as calças? Como se esta estatística tivesse uma relação direta e precisa com homens e mulheres solteiros, e segundo,  como se o simples fato de haver mais mulheres significasse obrigatoriamente que uma mulher tem que se contentar com qualquer merda e agarrá-lo se ele quiser casar.

Eis aí algumas crenças que se propagam em especial pelas mulheres, sabe-se lá porquê, e que estimulam mais e mais homens a se sentirem no direito de ser babacas com essas pobres mulheres que só querem ser aquela mulher pra casar.

A Bruna Ex-Surfistinha, uma que jamais seria pra casar mas casou, falou uma frase interessante: O machismo talvez diminua, a prostituição e as traições talvez acabem quando acabar a hipocrisia de mulher pra casar e pra transar. 

Toda essa ironia e quase teoria da conspiração pode parecer exagerada e descabida, mas não acho lá muito desconectado da idéia muito comum até hoje em países como India e China onde bebes do sexo feminino são mortos frequentemente, pelo simples fato de serem fêmeas e não machos. A diferença é que nosso machismo é mais ardiloso, mais velado, e quando o machismo é mais sutil e já está tão arraigado na gente sob nosso prisma quase sempre etnocêntrico, um simples "essa é pra casar" pode passar facilmente batido e parecer inofensivo.

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