quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Já estava escrito

Maktub.
Esta 
é uma palavra em árabe que significa "já estava escrito" ou "tinha que acontecer". Tento praticar Maktub na minha vida em especial desde o suicídio do meu amado irmão.
Viver com a crença de que todas as coisas que acontecem já estavam destinadas a acontecer não vai necessariamente contra a noção de livre arbítrio. Esta idéia de destino, implícita em Maktub, pode eliminar o exercício mental nefasto do "e se" e pode despertar em nós uma saudável aceitação total da sua realidade. 
Estou de carona no carro de um casal. O cara escolhe pegar a Heitor Penteado. E então o trânsito pára, congela.


Depois de quase uma hora parados, eu entendo pela primeira vez em dois anos de São Paulo do que se trata o tal trânsito infernal. O cara, já bem estressado de avançar 30cm por minuto, começa uma discussão com a esposa. A discussão é idiota. Não pelo fato da catarse de discutir, mas porque existe o argumento: "é, e se você não tivesse pegado a Heitor Penteado..." e a resposta, "e se você não tivesse esquecido de comprar a bebida a gente não precisava pegar nem Heitor Penteado nem porra de rua nenhuma...".
Pensar "e se" só tem uma utilidade positiva: na criação de um história fictícia. A minha primeira peça eu criei através de um "e se": ...e se amigos e amores, fossem produtos compráveis em uma fábrica(literalmente)?" Falando em ficção, esse é exatamente o ponto: "e se" não existe, é criar histórias imaginárias na sua cabeça, sejam boas ou ruins ficar na ruminação mental do "e se" é totalmente infrutífero.

Normalmente a gente pensa que a consequência que vem depois do nosso "e se" é impossível de mudar, porque já aconteceu, ou vai ser ruim. Você pensa: e se eu não tivesse viajado no dia que meu irmão morreu?  E se eu pegar esse avião e ele cair? Mas você raramente pensa: E se eu chegar lá e tudo der muito certo? E se eu for pedir essa promoção no trabalho e ele me promover pra presidente?

O "e se" é nossa forma viciada, já automatizada de sair do presente, uma tentativa de tentar ter algum controle sobre o que pode acontecer, a não aceitação da sua realidade e do que já aconteceu. Mesmo se for pra pensar "e se" seguido de uma consequência boa, é também um exercício totalmente sem sentido que nos tira do presente, é gerador de ansiedade. O que quer que venha a acontecer não vai deixar de acontecer, ou acontecer com mais violência, ou acontecer com menos intensidade por causa do fato de você ter conjecturado várias possibilidades de "e se". 

O que realmente acontece é que a gente escolhe. Ele escolheu pegar a Heitor Penteado, escolheu reclamar com a esposa e escolheu manter o nível de estresse alto e continuar a discussão. Escolhas sim são reais, "e se" não. Não importa o que fizeram com você, mas sim o que você escolhe fazer com o que fizeram com você, importa estar consciente e atento para escolher no que direciona sua atenção e energia, importa escolher que significado você constrói na sua cabeça a partir das experiências que vive.

Você lembra o que você fez na hora que nasceu? Gritou? Chorou? Olhou pra sua mãe? É improvável que você se lembre, mas aquele primeiro milésimo de segundo, mesmo que totalmente esquecido e instintivo, foi uma escolha. E todos os outros zilhares de milésimos de segundo da nossa vida depois do nosso nascimento. 

Escolhas: algumas a gente nem percebe que faz ou nem acredita que partem de nós. E se a gente têm tanta experiência em “escolher”, porque é tão difícil e, tantas vezes, tão doloroso tomar uma decisão e acolher suas consequências? Será que é porque somos demasiado humanos e precisamos pensar nas consequências?  E se eu não for capaz de aceitar o que vem depois? E se o caminho for muito difícil? E se eu ficar sozinho? E se eu errar? E se a gente esquecer um pouco do “e se”? Que tal?

Não é ignorar as consequências, mas planejar, 
aceitar, abraçar e viver cada uma delas. Aceitação total da sua realidade, o que tinha que acontecer foi o que aconteceu. Estava escrito, são apenas escolhas.
As escolhas não nos definem, mas sim o escolher. Simplesmente escolha! Tudo na vida é uma escolha e toda escolha é um caminho. Não existe escolher errado, melhor ou pior na Heitor Penteado . Existe o "e se". Existe não aceitar sua realidade. E existe viver. 
Maktub




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