quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

É mais fácil ser feliz onde as ruas não tem nome



Quem nunca se sentiu mais vivo e pleno num desse locais paradisíacos, isolados onde a natureza impera? Quem nunca fez uma viagem de imersão e contato profundo com a natureza e pensou em ficar? Especialmente quando você vem de uma viagem dessas e volta para uma megalópole como São Paulo, onde eu vivo hoje, é difícil não questionar sua vida, seus valores e se você quer mesmo ficar na cidade grande ou se quer viver uma vida mais simples e tranquila.

Tanto na virada do ano passado 2013 para 2014, como na de um mês atrás, 2014 para 2015, estava em lugares destes que te fazem resignificar sua existência: numa fazenda no interior do Espírito Santo e no Vale do Capão. Veja este vídeo e este vídeo se quiser ter uma noção melhor destes dois locais que falo. Fato é que é mais fácil ser feliz em locais como esses.

A começar porque em lugares assim se come muito bem todos os dias. Os temperos são da nossa horta, as frutas são do quintal, quem faz a comida é "ele ali" que traz daquela plantação do jardim de casa. A falta de tantos intermediários e de uma relação mais capitalista, agressivinha e alienada de consumo, dá um sabor diferente e especial ao que se come, sem falar na menor quantidade de conservantes e afins. Você vê de onde vem e como vem. E mesmo o que não é da sua horta é logo ali do vizinho. O vizinho tem nome, ele é um humano que você conversa e conhece pessoalmente.

Lugares como esses são menos povoados e esse fato, por si só, logicamente já humaniza mais as pessoas e as relações. Algumas vezes aconteceu de alguém não ter troco, e ok, outro dia você me paga. O nivel de confiança no outro parece ser maior, isso por si só já diminui a tensão nas relações, é mas fácil conhecer e confiar em "estranhos" e é óbvio que isso é saudável. Em lugares como estes eu adoro cumprimentar pessoas aleatórias e nunca me sinto estranho ou louco por fazer isso porque sempre me respondem e me cumprimentam.Tenta cumprimentar um estranho numa cidade grande e a provável reação que você costuma ter é de estranhamento do tipo não te conheço você é louco ou psicopata, ou desprezo total.

Eu e alguns totais estranhos que tive o grande prazer de ter como amigos. Pratinha - Foto: Arthur Schimidt

Um dia no Espírito Santo a gente se perdeu numa estrada de terra e a indicação era sempre a direita ou a esquerda, na casa do João, na fazenda do Beto, na venda da Graça. As ruas não tem nome, mas as pessoas tem. Elas são mais pessoas, e não mais um na multidão, é mais fácil que elas se conheçam pelo nome.

As nossa conversa é mais focada e presente porque você tem acesso limitado ou nenhum acesso a telefone, internet, whatsapp, facebook, e esses milhões de outras coisas pra nos distrair o tempo todo, algumas ferramentas que deveriam servir pra nos conectar, mas debochadamente acabam nos distanciando na maioria das vezes. É batido e cliché falar isso, mas é real, porque se você não tem sinal de celular nem telefone fixo pra falar com o João do alface, você tem que ir fisicamente até ele. Você relembra que tantas coisas que parecem tão necessárias como seu celular, não são assim tão necessárias. Se você não tem milhões de gadgets e aparelhos e acontecimentos, o acontecimento é existir, a distração é contemplar, a conversa é com você mesmo ou olho no olho com quem te acompanha.

Eu, só existindo no terraço da nossa casa no Capão. Foto- Arthur Schimidt

Estes tipos de lugar te fazem perder a noção de tempo, é muito comum não saber que dia da semana e do mês você está. O tempo é menos preciso, em grande parte porque você não usa medidores de tempo, seja relógio ou celular, e não tem hora pra nada. A hora de acordar é a que acordar. A hora de comer é quando dá fome, a hora de dormir é quando dá sono. E como você não tem tanta distração e informação pra pensar no que vai ser o amanhã ou pra te relembrar o que aconteceu ontem, você tende a ficar muito mais no agora, no momento, o que dá uma sensação de dilatação ou de falta de noção do tempo, e consequente plenitude, felicidade, me lembra aquela famosa expressão em inglês: natural high. E esse estar presente, essa falta de noção de tempo, te faz ter outras perspectivas sobre tudo, sobre por exemplo pensar que a vida são esses "grandes" momentos, quando eu casar, quando eu tiver um filho, minha casa, ou quando o que quer que seja um grande momento pra você, e na realidade a vida é cada agora, cada momento, cada experiência simples e singular que é ser, existir.


Pôr do Sol no Morro do Pai Inácio - Foto: Lud Campos

É necessário ter dinheiro, ok, e não pretendo fazer o discurso metidinho a naturalista que romantiza lugares lindos como estes, mas fica tão evidente que existem milhões de coisas tão simples e que dinheiro não compra que te deixam em estado de plenitude, satisfação e alegria, que é difícil não romantizar. Ficar de pés pro alto vendo a paisagem na rede, dormir na sombra de uma pedra ouvindo o som da cachoeira em rodas, mergulhar num poço natural de Mucugezinho, ficar bem embaixo da cachoeira deliciosamente gelada da Purificação, escutar o barulho do vento batendo no capim na trilha pra Aguas Claras, ver um por do sol inesquecível no Morro do Pai Inácio... Tudo de graça. Seja você milionário ou mendigo, diante da natureza todos nós somos só humanos, uma fração de um pixel existindo no universo.

Arthur flutuando e sorrindo, e o olhar incrédulo da menina no canto. Poço de Águas Claras - Foto: Lud Campos

Já romantizando pra cacete, não pretendo com esse texto falar destes lugares como se fossem um Sítio do Pica Pau Amarelo escrito pela Pollyana Moça. Defeitos existem, locais menos povoados não são perfeitos, mas não pude sentir tanto porque não fiquei tempo substancial pra perceber. Não tenho como saber com certeza como seria esse mesmo texto caso essa experiência que descrevi aqui virasse minha rotina. Mas o fato é que mesmo temporariamente, a vida me parece mais viva, a gente é mais humano, viver parece menos automático e melhor. Visitar este tipo de lugar me deixa mais destemido, pra arriscar e viver, porque se tudo der errado e eu falir na cidade grande posso sempre me mudar pra um desses lugares onde parece mais fácil e simples viver em estado de plenitude, lugares onde a estrada é de terra e as ruas não tem nome, mas as pessoas tem.

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