quarta-feira, 1 de abril de 2015

Cabo Polonio, Montevidéu e o olhar de turista

Playa Sur - Cabo Polonio - Uruguai


Quando comecei a escrever este texto estava no escuro no ônibus voltando de um lugar chamado Cabo Polonio. Cabo Polonio é uma vila de pescadores de cerca de 60 habitantes que está dentro de um Parque Nacional na costa do Uruguai. Lá não tem sistema de eletricidade e o acesso só é possível indo a pé pelas dunas ou com veículo 4 x 4 pelos 7 km de distância que separam o vilarejo do terminal de ônibus mais próximo, perto da entrada do Parque. Só estes fatos por si só já dão um encanto ao lugar, mas Cabo Polonio e Montevidéu me encantaram mais pelas reflexões e aprendizados que tive através de experiências simples que vivi.

Ainda que possa parecer, este texto não pretende ser algum tipo de registro de memórias desta experiência ( apesar de que naturalmente seja em alguma medida). Este texto também não pretende ser um guia turístico sobre os locais que estive, talvez um registro das reflexões e dos sentimentos que ficaram em mim, depois de 24h em Cabo Polonio e uma semana em Montevidéu.


Eis o que vivi em Cabo Polonio: Eu vi um sol se pondo que me fez chorar igual um bocó e de tão lindo seria inútil tentar qualquer descrição, eu vi o sol nascer ao lado de leões marinhos (que em sua maior parte estavam ali no continente para morrer, já que os jovens e saudáveis ficam numa ilha abarrotada deles em frente a Cabo, de onde no raiar do sol se ouve nitidamente seus gritos ou rugidos ou sei lá como se fala) este amanhecer que de tão mágico me faz carregar um sentimento inédito e indescritível comigo até agora, eu fiz um som no entardecer com um amigo desconhecido que me ofereceu fumar flores plantadas no seu jardim (flores é como chamam a maconha não prensada, e de consumo legal pra quem não sabe, no Uruguai) enquanto eu tocava bongô, ele violão e cantávamos de frente pro mar no Hostel, eu comi a melhor batata frita com molho de camarão picante da minha vida, eu peguei jacaré por horas e horas num mar de ondas perfeitas, eu encontrei um leão marinho morto num local isolado em frente às dunas, eu dormi na rede vendo um céu extremamente estrelado de um jeito que não via há anos.

Eu não tenho absolutamente nada de registro concreto disso tudo. Eu não tirei nenhuma foto de Cabo e isso me fez estar muito presente em cada uma destas experiências. E o irônico é que, paradoxalmente, se essa visita a Cabo foi assim inesquecível penso que foi justo por esta falta de registro.

Quando estamos viajando é mais recorrente não pensar na conta pra pagar amanhã, ou no pepino que não resolveu ontem no trabalho, vivemos mais o agora. Só que por outro lado temos a forte tendência de querer registrar tudo, seja com foto, souvenirs ou cadernos de viagem. Porque a gente precisa arrumar formas de recordar tudo? Ao meu ver isso nos faz menos conectados com o agora. Me lembro de uma cena do Sean Penn num filme que achei mediano, mas que me marcou, A Vida Secreta de Walter Mitty. O fotógrafo que ele interpreta está no alto das montanhas há muito tempo tentando tirar uma foto histórica do Leopardo Fantasma (que tem esse nome pela raridade de ser visto). Até que ele avista o bicho pela primeira vez, mas não bate a foto. Ele diz que se registrasse não iria viver tão intensamente a beleza do momento. Querer arrumar formas de registrar, não ajuda a viver a beleza de cada momento sabendo que ele é único e passageiro, não é o olhar do turista do qual eu falo aqui.

Quantas vezes por semana você pára pra contemplar o por do sol na cidade que você vive? E pra ver o sol nascer? E passear com calma olhando as pessoas, a paisagem, os prédios? Logicamente que quando não estamos de férias a rotina de trabalho e falta de tempo, em especial em cidades grandes como São Paulo, não costumam permitir estes tipos de atividades com frequência, mas meu ponto é que se trata de algo além da falta de tempo, se trata de um mind set, de uma forma de olhar a realidade, o tal olhar de turista.

O que se passou em Cabo, foi muito único, mas no sentido do que refleti nessa viagem foi bem parecido com o que aconteceu em Montevidéu: o olhar de turista.

Criança observando os lobos marinhos em Cabo Polonio.
Eu achei Montevidéu bem linda, mas penso que isso é questionável. Algumas vezes parava pra contemplar velhinhos andando, a arquitetura do prédio na esquina, as árvores, a vida das pessoas na varanda. Os moradores me olhavam meio sem entender o que eu via de bonito. Olhar de turista é essa generosidade no olhar, de ver beleza nas coisas simples, de ver o feio um pouco mais bonito e interessante, essa constante descoberta do novo, de ter um olhar de criança que está conhecendo todo um mundo à sua volta. Digo um olhar porque o que me pareceu claro nessa viagem é que se trata em parte do lugar ser agradável e bonito como eu achei Montevidéu, mas se trata muito mais dessa forma de pensar e olhar seu entorno. Ou não seria possível caminhar no centro de São Paulo e achar beleza?


Esse olhar de turista (em especial viajando sozinho) ao te ensinar a estar mais presente, pode também te ajudar a olhar situações sem querer se agarrar a elas. Como exemplo teve tudo de sensacional que mencionei que vivi em Cabo e não registrei, e também os momentos fodas que vivi com várias pessoas incríveis de vários lugares em Montevidéu.

Dentre elas teve um francês que estava viajando pelo mundo há dois anos. Passeei a pé pelas ramblas de Montevidéu um dia inteiro, conversamos sobre a vida dele nestes dois anos, discutimos muitos assuntos profundos e interessantes, um cara que poderia ser dos meus melhores amigos. Foi demais. Depois teve uma sueca linda de assustar com quem divivi o quarto.  Ela foi daquelas pessoas que bate o santo, que você conhece e em segundos te entende no olhar, que apesar das milhares de milhas de distância e diferenças culturais, vocês se divertem muito depois de 5 minutos que se conheceram. Acordamos, tomamos café, almoçamos e caminhamos manhã e tarde pelo Centro de Montevidéu antes dela ir embora. Foi sensacional. Não tenho nenhum registro destes dois encontros.

Só um improvável conjunto de situações muito favoráveis faria um outro encontro entre eu e estas duas pessoas acontecer, mas fiquei muito feliz de ter vivido momentos inesquecíveis com eles. Eu estava muito presente. Se eu me apegasse e me chateasse a cada despedida deste tipo de pessoas sensacionais que eu conheci e queria ter pra sempre na minha vida, eu também não estaria tendo o olhar de turista que falo.

Acho que de todas as viagens que fiz, essa de fato me fez entender e trazer esse olhar de turista pra minha vida, tantas vezes tão dura aqui em São Paulo. Hoje no fim de tarde, nadando contra a corrente, no meio de um ritmo frenético de milhões de pessoas apressadas, muito concreto e carros, eu caminhei calmamente pela Avenida Paulista na hora do rush, observando as pessoas. Depois peguei minha bicicleta e contemplei velhinhos andando, a arquitetura do prédio na esquina, as árvores, a vida das pessoas na varanda, até chegar à Praça do Por do Sol.
Hoje eu vi o sol se por em São Paulo. Foi lindo.

Praça do Por do Sol - SP (essa foto não fui eu que tirei )

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