segunda-feira, 18 de março de 2013

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Meu pai, quando tinha 18 anos


Já faz quase 11 anos que meu pai morreu. Lido bem com isso, faço até piadas que deixam as pessoas numa surpresa engraçada, se perguntam se é permitido rir ou se devem pisar em ovos. No entanto, o fato é que é muito difícil pra mim entender o resultado real deste tipo de perda na minha vida.

Por mais que você já não tenha contato com alguém diariamente a notícia da morte de alguém nunca se digere asssim ó: (estalei os dedos aqui).

Proibido estalar os dedos pra digerir a morte de alguém.


Por mais que você esteja fisicamente em outra realidade, a sua realidade é uma só, é um plano sequência que tá rolando até agora, e todos os personagens que passaram diante da câmera, no caso seus olhos, e fazem parte desse filme, serão pra sempre parte desse filme. Pode ser que exista o além e que você algum dia volte a ver aquela pessoa, mas até chegar ao além é pra sempre sem ela. E pra sempre demora muito e pra sempre você vai ter que aceitar que essa pessoa, esse personagem tão rico e cheio de detalhes, não vai mais aparecer no filme da sua história.

Te dá um "jbcdowjbvcdslk" ( não existe palavra pra definir esse sentimento) de receber a notícia de que alguém significativo na sua história se foi. O que se aproxima do primeiríssimo sentimento de quando recebi a notícia que ele tinha falecido é algo do tipo dividir 7.579 por 377 de cabeça: você pode tentar mas não consegue chegar perto de entender ou mensurar o resultado. E esse sentimento também acontece quando você percebe que uma pessoa se foi, mesmo sem ter ido ainda, como no dia meu telefone tocou quando eu morava em NY.


Estava nevando, a janela do meu quarto com aquela nevezinha acumulada no parapeito, e eu com aquela melancoliazinha acumulada no peito, que só um diazinho cinza em NY e longe da família pode te proporcionar. Meu telefone tocou.  Era meu pai. Eu sozinho em casa, meu telefone tocou e eu tinha certeza que era meu pai. Como eu podia ter certeza que era meu pai?

Pela doçura no falar, nada comum pro Delegado Federal tantas vezes implacável e inflexível que eu tinha na memória do Brasil, e principalmente pelo "eu te amo, meu filho" que eu nunca tinha ouvido nem nunca poderia imaginar que ouviria dele, eu percebi que o pai que eu havia conhecido já estava morto, quem falava comigo era outro ser, alguém resignado e brando pela certeza de um fim iminente. Pode parecer romântico, mas acho que a gente sabe quando o filme está chegando ao fim.

Desliguei o telefone.  7.579 dividido por 377. Olhei pra neve caindo lá fora, suspirei puxando o ar pela boca e chorei. Chorei como não lembrava de ter chorado antes, chorei sem nenhuma vergonha de que alguém pudesse me ver, chorei num abandono total, como que instintivo sem pensar ou racionalizar o que significava aquela notícia. Ali naquele momento, eu chorei porque tinha certeza que meu pai ia morrer muito em breve.

Eu estava certo. Ironicamente, essas palavras foram as últimas dele. Ele não morreu fisicamente ali no telefone comigo, morreu sete dias depois, mas no mesmo dia, logo depois que nos falamos ele foi internado. Já debilitado, o Câncer no cérebro esperou só ele falar comigo. Então ele, outrora tão eloquente, passou seus últimos sete dias sem pronunciar uma única palavra.

Sete dias depois meu telefone tocou de novo. Eu não estava em casa, meu ex-cunhado sim. Ele recebeu a ligação da minha mãe dizendo que meu pai tinha falecido. Cheguei de um dia cansativo de trabalho, cheguei mais de meia noite, ele se levantou pra falar comigo, mas não teve coragem de dar a notícia, me disse:
"Ligaram do Brasil."
E abaixou a cabeça.
Naquele momento e até hoje, quando lembro disso tudo:
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